Petição de Principio
Este artigo inicia uma série muito importante para mim:como não
tenho tempo para fichas ,citações e como ,fazendo artigos, eu me
referencio fundamentalmente,como já expliquei,às categorias e à
empiria,esta série me cria a oportunidade de mostrar o que eu trago
de novo e o que já foi dito,pela análise da contribuição de
certos autores.O primeiro é Edmund Wilson.
Edmund Wilson é um crítico de esquerda estadunidense,muito
cáustico com o marxismo.Publicou um livro famoso “ Rumo à Estação
Finlândia”,aludindo ao ato de Lênin de ir até à Estação
Finlândia,como representativo da transformaçao do intelectual em
politico prático.O nexo teoria-prática é representado por este
momento fundante da Revolução Russa.
O capitulo mais importante para mim é intitulado “ O Mito da
dialética”,o qual,escrito há muitos anos se refere a conceitos e
idéias que eu estou expondo aqui,sobre a inexistência real da
dialética.
Para mostrar a minha integridade faço este artigo para revelar como
esta questão,tão desconhecida por nossos militantes diletantes,já
é antiquíssima.
No inicio do capitulo ele diz:
“A “dialética” a que se referiam Marx e Engels não era o
método argumentativo de Sócrates, e sim o princípio da mudança
proposto por Hegel.”
Entendam bem este parágrafo elucidativo:
“O mundo está sempre mudando, diz Hegel; porém há nessas
transformações um elemento de uniformidade: o fato de que cada
processo de
mudança atravessa necessariamente um ciclo de três
fases.
A primeira delas, que Hegel denomina tese, é um processo
de afirmação e
unificação; a segunda, a antítese, é um
processo de dissociação e negação da
tese; a terceira é uma
nova unificação, que concilia a antítese com a tese e é
denominada
síntese. Estes ciclos não são simples recorrências, que deixem
o
mundo tal com o era antes: a síntese é sem pre um avanço em
re lação, à tese, pois
ela combina, numa unificação mais
“elevada”, o que há de melhor na tese e na
antítese. Assim,
para Hegel, a unificação representada pelo início da
República
Romana constituiu uma tese. Essa unificação inicial
fora realizada por grandes
patriotas como os Cipião; porém com o
passar do tempo o patriota republicano
assume um caráter diverso:
a “individualidade colossal” da era de César e
Pompeu, uma
individualidade que tende a perturbar o Estado à medida que a
ordem
republicana começa a se deteriorar sob a influência da
prosperidade
romana — esta é a antítese que se dissocia da
tese. Porém por fim Júlio César
derrota seus rivais, as outras
individualidades colossais, e impõe à civilização
romana uma nova ordem, autocrática, uma
síntese, que promove unificação maior: o Império Roma no.”
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Uma forma mais elevada aparece desta relação triádica,que Edmund
Wilson localiza
na Trindade Cristã,que,por sua vez ,deriva do
triângulo egipcio antigo,que expressava o nascimento e a reprodução
da vida(Pai,Mãe e Filho).
E
prossegue Wilson:
“Marx
e Engels adotaram esse princípio, e projetaram sua atuação no
futuro,
coisa que Hegel não havia feito.”
Realmente
Hegel não projetou um futuro utópico,mas
atribuiu(oportunisticamente?)aos alemães(através dele)a compreensão
final do processo real do movimento.Das leis do movimento do Ser.Do
mundo.Os alemães tinham chegado ao máximo de pensamento
possível(tal ideia agradava muito a Hitler).
Mas
Marx e Engels construiram uma utopia a sair da sociedade
burguesa,cheia de contradições só resolúveis por uma sociedade
superior:comunista.
Embora
ambos tenham achado que virando Hegel de cabeça para
cima,colocando-o com os pés no chão,a diferença do proposto
materialismo dialético para a dialética hegeliana não é tão
grande ,no frigir dos ovos,porque a oposição Idéia/mundo real é
falsa de todo modo e aqui eu digo que em outros artigos e livros já
o provei.
Inicialmente
o que Hegel denomina Idéia ou Espirito Absoluto não é propriamente
uma ideia como a que o sujeito forma na mente.Há uma discussão
imensa se ,de outro lado este conceito se refere a Deus.Esta
discussão envolveu Luckács,na sua “Ontologia do Ser Social”,que
separou a ontologia de Hegel da de Spinoza,que falava num Deus
panteístico.
Este
“ trecho” ou “ região” do pensamento hegeliano é muito
obscuro.Idéia aqui é mais afeita ao pensamento de Aristóteles,que
indica uma finalidade no mundo,um sentido prescrutável,com leis
rígidas e definidas.
E
o espirito Absoluto ,que “ se esquece do mundo”,só é
apreensível pelo espirito subjetivo.O Espirito Absoluto é uma
entidade um tanto quanto misteriosa,mistica mesmo.
Quem
o prova é Karl Popper ,em seu “ A Sociedade Aberta e seus
inimigos”,sobre os quais falarei proximamente,num outro artigo.
Da
mesma forma há uma confusão de Edmund Wilson,comum no marxismo do
século XX:a tríade dialética é uma siimplificação de Engels que
não se encontra em Hegel,em lugar nenhum.O que há em Hegel é o
princípio da Aufhebung
,palavra
não traduzível em português que designa “ assimilação/superação”
e que é o princípio do movimento.
O
Espirito Absoluto é como um princípio,um princípio lógico do
Ser,da Physis.Não há como afirmar peremptoriamente que ele seja o
Deus de Hegel,assim como o “ pimeiro motor” de Aristóteles seja
o Deus deste último.A Igreja Católica,no afã de assimilar o
pensamento destes autores, é que atribuiu a estes conceitos um
caráter divino.Mas não é assim não.
Voltemos
ao nosso tema:Marx percebeu parcialmente esta verdade quando diz no
“Capital”:
“Para
Hegel, o processo do pensamento que, com o nome de Ideia, ele chega a
transformar-se em sujeito independente, é o demiurgo do
mundo
real, enquanto o mundo real é apenas a sua aparência externa. Para
mim,
pelo contrário, o ideal é apenas o material após ser
transposto e traduzido dentro
da cabeça do homem”.
O
problema é a demiurgia deste Espirito Absoluto,mas as observações
anteriores são válidas.
Mas
os dois afirmam também de forma menos esclarecida:
“Marx
e Engels haviam declarado que todas as ideias
eram humanas, e que
toda ideia estava interligada a alguma situação social
específica,
que, por sua vez, fora produzida pelas relações entre o homem
e
condições materiais específicas.”
E
Edmund Wilson pergunta,junto comigo:
“ Mas o que isto significa
exatamente? “,quer dizer o segundo parágrafo?
É
aqui o nó górdio que muita gente até hoje não entendeu:tudo o que
o ser humano produz em termos de ideias é parte de relações
sociais e econômicas e que o sentido próprio das ideias ficava
então definitivamente explicado por estas relações e condições
materiais de existência.
Engels,após
a morte de Marx,procurou dirimir esta visão simplista dizndo que a
economia só influenciava em última instância estas ideias ou as
criava.
“Mas
então”,pergunta Wilson(e eu) “em que sentido era verdade que a
economia determinava as
relações sociais e que as ideias se
derivavam delas? Se as ideias não eram
“efeitos passivos”,
então qual a natureza e âmbito de sua atuação? De que
modo
atuariam sobre as condições econômicas? Como poderiam as
próprias teorias de
Marx e Engels ajudar a produzir um a
revolução proletária?”
E
o critico responde:
“Na
verdade, Marx e Engels jamais desenvolveram detalhadamente seu
ponto
de vista. O que nele há de importante e estimulante é a
ideia de que o espírito
humano virá a dominar sua natureza
animal através da razão; porém Marx e
Engels acabaram levando
muita gente a achar que o que eles pensavam era
justamente o
contrário: que a humanidade era inevitavelmente vítima de
seus
próprios apetites.”
Aqui
eu acrescento duas questões,uma já batida e outra que eu ressaltei
de forma radical:respectivamente,a ideia de uma inevitabilidade
lógica do socialismo e do comunismo e o fato de que nem Marx ,nem
Engels conheciam bem a filosofia.
Wilson
cita uma passagem da vida de Engels:
“(...)Engels
tentou apresentar uma visão geral da dialética; porém ele já
havia
confessado, quando jovem, no tempo em que estava estudando
filosofia
com a maior dedicação, que não tinha muita aptidão
natural para essa disciplina;
assim, só pôde apresentar um
esboço do sistema .”
Na
verdade nenhum dos dois tinha conhecimento profissional da
disciplina.
Wilson,sobre
Engels no final da vida :
“Já
nas cartas de Engels escritas na última década do
século, uma
época em que pessoas interessadas no marxismo estavam
começando
a fazer perguntas fundamentais, vemos um ancião tentando com a
maior
seriedade expor sua visão da natureza das coisas, e a impressão que
têm os
dois é totalmente diversa. Escreve Engels: “Marx e eu
somos em parte responsáveis
pelo fato de que, de vez em quando,
nossos discípulos dão maior peso ao fator
econômico do que
deveriam . Fomos obrigados a enfatizar seu caráter central
em
oposição a nossos adversários, que o negavam, e nem sempre
havia tempo,
espaço e oportunidade para fazer justiça aos outros
fatores envolvidos nas
interações recíprocas do processo
histórico”.
“(...)imagem pela qual, segundo o próprio
Engels, ele e Marx são em parte responsáveis — é uma árvore
cujas raízes são os meios de
produção, cujo tronco são as
relações sociais, cujos galhos — a “superestrutura”
—
são o direito, a política, a filosofia, a religião e a arte —
sendo que a
verdadeira natureza da relação entre esses galhos e
o tronco e as raízes é oculta
por folhas “ideológicas”.
E
eu concordo com Wilson que não era isto que Marx e Engels queriam
dizer:
Sua
concepção é bem mais complexa.Cada um destes departamentos mais
elevados da superestrutura — direito, política, filosofia etc. —
está sempre
lutando para libertar-se das limitações que lhe são
impostas pelo interesse
econômico e desenvolver um grupo de
profissionais que sejam independentes
das
tendenciosidades de classe (grifo
meu), e cujo trabalho tenha para com as raízes
econômicas
relações extremamente indiretas e obscuras. Esses grupos
podem
atuar diretamente um sobre o outro, e até mesmo sobre a
base socio econômica.”
Se repararem no grifo que eu fiz
acima,veremos que aqui está o fulcro das minhas críticas e da
critica em geral ao problema da autonomia das ideias em Marx e
Engels.
De
um lado se os especialistas lutam para superar as limitações de
classe ,estão diante de um problema:na sociedade atual ou na
futura,comunista?Certamente na scoeidade atual e neste caso a
superação do problema de classe já é algo diferente da sociedade
capitalista,que pode assim ser controlada ou modificada ,de
dentro(estou dizendo).Esta assertiva nenhum militante aceita porque
ao final das contas contém uma legitimação do capitalismo.Há que
admiti-lo se é assim.
De
outro lado se de dentro um especialista cria algo novo,não
ideológico,no sentido de consciência falsa(que era o de Marx),ele
questiona a visão da luta de classes como motor das transformações
históricas,contida no Manifesto Comunista,porque esta construção
não favorece esta ou aquela classe mas as relaciona,como ensina a
ciência social ,a sociologia,que nem Marx e nem Engels conheciam.
Eu
já falei sobre isto em outro artigo,mas estas citações só o
confirmam.
Mas
há ainda um terceiro problema que reúne a autonomia das ideias e a
ideologia:presos ao hegelianismo Marx e Engels não realizaram o que
era muito possível de fazer diante destas suas afirmações,de que
esta produção dos especialistas das diversas áreas têm autonomia
e que da consciência falsa surge uma consciência verdadeira,no
sentido que Gramsci construiu depois.
Como
eu disse no meu artigo:o desconhecimento de Kant,por seu não
aprofundamento, não os permitiu abandonar Hegel e entrar muito antes
no século XX.Ainda que uma concepção rigorosa da autonomia das
idéias(e do Sujeito) só fosse possível com as contribuições
posteriores de outro grande judeu,Freud,havia chance sim de um avanço
por parte dos dois.
Vamos
ver se dois exemplos o provam:
Numa
carta Engels:
“Diz
ele que as leis referentes à herança
evidentemente têm uma base
econômica, porque devem corresponder a diversas
etapas do
desenvolvimento da família; porém seria muito difícil provar que
as
liberdades de disposições testamentárias existentes na
Inglaterra e as restrições legais da mesma natureza na França
poderão ser explicadas somente por
causas econômicas.”
E
existem outros exemplos:no caso do “ Dezoito Brumário”,quando
Marx reconhece,por intermédio de uma frase de Odilon Barrot “ la
legalité nos tue”(“ A legalidade nos mata”), o caráter
ativo do direito,como produção cultural(quiçá
revolucionário);quando Engels se refere ,no âmbito da Comuna de
Paris em 1871,” que a religião é uma questão de foro íntimo”
,não interferindo pois no processo revolucionário(coisa que muita
gente hoje precisava entender...).
Wilson cita uma questão do “
Prefácio de 1857”,que foi desenvolvido por Luckács nos “
Ensaios sobre Literatura”:não há relação entre forças
produtivas avançadas e arte de qualidade.Vide a Grécia
antiga,atrasada,agrária,mas que produziu,entre outros,Homero(aqui no
Brasil quem desenvolve isto é Tomzé).
Quais
são pois as leis gerais destas relações consciência e condições
materias de existência?Há indicios de que Marx procurou estas
leis,mas depois abandonou na velhice:
“Em
geral, o
conceito de progresso não deve ser entendido no sentido
abstrato usual.”
Mas
poderia sim ter ido mais adiante.Se prendeu ao cientificismo e à
lógica imanente(materialista)do mundo(mas as relações sociais são
transcendentes,não imanentes).
No
entanto,nós hoje,de posse destes conhecimentos,podemos perguntar se
mantendo a verdade das “ condições materiais”,podemos ir além
com o marxismo,tornando-o profissional.
Assunto
para outro artigo.
Bibliografia:Wilson,Edmund-”Rumo
à Estação Finlândia”-Companhia de Bolso,1986-Rio de Janeiro.