sexta-feira, 24 de julho de 2015

Pausa importante para falar um pouco sobre a dialética



Antes  de continuar  com este  trabalho heterodoxo com o  marxismo  devo  falar um pouco sobre a  dialética,resumindo,pelo  menos  as  minhas convicções diante  das  discussões  dos últimos  100 anos,convicções  que  eu acho que devem ser comuns  a  todos  que têm bom-senso.
O  que  ficou  para o militante de esquerda tradicional da  concepção dialética foi herdada  do “ Anti-Durinhg”  de  Engels,na  passagem  do século XIX  para o XX.Esta visão  ficou ainda  mais  “ firme” quando  do surgimento do marxismo soviético,suposto  guardião  da ortodoxia.
Pela  concepção de  Engels, a  natureza(e  a  sociedade)são  governadas  pelo  movimento  dialético,que estruturaria  de  modo  rígido  estes  dois  campos.Tem a  famosa  história  da vaquinha que  come o  mato,defeca  e  o cocô  unido  à  terra geraria a  flor que  comida  por  outra  vaquinha  daria  continuidade ao  movimento.
Este  seria o esquema  geral  da  dialética  A=não-B>síntese,quer  dizer  o mato como negação  da vaquinha se transforma  na  síntese ,o cocô,o qual  negado pela  terra se transforma  em flor e  assim por  diante.
Gerações  de marxistas  defenderam esta  idéia  contra a visão de David Hume,segundo a  qual as  leis  são hábitos  da  subjetividade,afirmação que serviu de base ao pensamento  crítico de  Kant.O  fato de a  luz  do  sol  bater na água não significa ,de  pronto,que  haverá  evaporação,mas se as  condições  forem  favoráveis  para  isso,sim.
A  natureza  não  é,segundo  Hume,” armadinha”,estruturadinha,mas   probabilística ,o que foi confirmado no século XX,com  o princípio da indeterminação de Heisenberg.A  certeza não é  absoluta.
Todos  nos lembramos  das  discutíveis  afirmações de  Lênin  no “ Materialismo e Empirocriticismo”,contra  Hume e  Kant,mas a verdade é  que  também a  dialética  é probabilística,indeterminada.
O esquema  supracitado de  Engels  não  é  perfeito,nem universal,mas localizado,particular.Se a vaca  defeca  em outro  lugar,numa  rocha  ,por exemplo,o resultado,a  síntese,vai ser outra.Mas  vão me  contestar,haverá  uma  outra  síntese,e  o  movimento geral e universal  continua.Absolutamente.
O esquema de Engels serve  para  um  movimento continuo  biológico localizado em determinadas  condições,mas ele  não é  base universal de explicação da natureza  e  da  sociedade.
Esta  visão  remonta ao  jusnaturalismo,à  concepção de um Deus racional,que estrutura  a natureza  e a sociedade.Para  o  jusnaturalismo,as  leis naturais seriam um padrão transcendente,transepocal:comer,fazer sexo,querer  sobreviver,mas estas  leis  também são localizadas,condicionadas,podendo não ocorrer ou de  forma  diferente(principalmente o item sexual).O  Jusnaturalismo de  São Tomás de  Aquino,por  exemplo,consagrava  que  na natureza só existia  o sexo entre  elemento  fecundante e fecundado,mas na  Idade Média,em  que  ele  vivia,não se conhecia  a partenogênese,o  hermafroditismo.Hoje  se  sabe  que  as  circunstâncias da  evolução impuseram o sexo,mas se  as  circunstâncias  fossem outras, a partenogênese  poderia  predominar.
Mesmo o jusnatualismo é  mais que  questionável e  o modelo  natural  para a  sociedade  mais  ainda.Uma  vez  Gramsci  afirmou  que  Marx(e  Engels)possuíam “  incrustações  positivistas”,mas eu digo  que  ,por  este  pensamento de Engels,por  este esquema  dialético,tanto o positivismo de Comte  como o pensamento  marxista são  formas de cientificismo do século XIX,por  colocarem este  modelo  natural  sobre a  sociedade.Assim o comportamento desviante(anti-científico[anti-natural])seria  aquele  que transgrediria  o que está na natureza.Todas as perversões  viriam desta transgressão.
Com  o crescimento das disciplinas  sociais  no século XX,a  partir de  Freud,ficou  cada vez  mais claro que  as “ leis “  sociais  são  diferentes  das  naturais,porque  autônomas,subjetivas,guardando uma variabilidade que  não condizia  com a  concepção da natureza.Digo  não condizia porque  a  natureza  ,como vimos , é probabilística e  as  suas “  leis”  não são  rígidas,universais ou imutáveis  como pensavam os  grandes pensadores,do século  XVI(ciência  moderna)até o XIX.
Quando Sartre  afirma  ,em sua “ Crítica da Razão Dialética”,que  a  dialética  é produto da consciência ,do pensamento,da  subjetividade,  está  consagrando estas  verdades.
Engels,ao  expor  em sua  “ Dialética da Natureza” ou no citado “Anti-Duhring”,as  leis  do movimento dialético não se  deu conta  de  que  o que  ele  fazia era escolher determinados  elementos  diante dos  conhecimentos adquiridos em sua época.
Se o cocô da vaca fosse  colocado no  vácuo o  movimento  acabaria.
Do século XVI ao XVIII  o  movimento  fisico foi admitido(contra o mundo antigo e  medieval)e  reconhecido,bem como estruturado pela  ciência  física.A partir  do século XVIII a idéia  do movimento na natureza ,na  biologia,  foi  posto como  hipótese na  zoologia,admitindo  que  as espécies  poderiam mudar,contra o que dizia  a Bíblia(com a Arca de Noé).A resposta  positiva da  Darwin  cristalizou o  movimento na  biologia.
Contudo a  sobrevivência  da religião no pensamento  científico,bem como do jusnaturalismo(que no fundo  é  também uma sobrevivência da crença  em Deus[São Tomás de Aquino])manteve  esta  visão  rígida  e universalista  no pensamento dos autores  supra citados,com consequências não só para a ciência(que  se tornou ideologia  em grande  parte[como consciência falsa])mas também  para  a politica.
O  grande    culpado”  desta “ universalização”(falsa) foi Isaac  Newton,com o princípio  da “ unicidade da natureza”,pelo  qual  as  leis  que  ocorrem  no plano terreno  valem para todo o universo(naturalmente isto dava mais força à “ sua”  lei da gravitação universal...).
Hoje  ,pelo que  já foi dito,tal assertiva não tem validade.Até mesmo  a invariabilidade da velocidade da luz(como Einstein afirmou)é  posta  em dúvida,em consequência  da “ indeterminação”(Heisenberg ).O que  ocorre no plano  terreno não necessariamente se  repete no espaço,no universo inteiro.Nós vemos que o universo apresenta elementos de caos,como é  o caso da possibilidade de  cair um meteoro destruidor em nosso planeta.
Quando esta “ indeterminação” foi admitida ,ou suposta,pelos  cientistas(contra  Einstein[“ Deus não joga  dados  com o mundo”])a  arte  intuiu  o fato de  que o ser humano não tem certezas e precisa  considerar que a natureza  não é feita para ele e que a  atitude racional é de  admitir  esta probabilística e  se  prevenir.Ficou  famoso o quadrinho  de Flash Gordon,”No Planeta Mongo”,que começa  com o perigo da  queda de um meteoro na  terra e a humanidade desprevenida,por  sua s certezas  sem saber  como reagir...
Na  questão social e  politica ,a  dialética,concebida como movimento universal,trouxe  danos ainda maiores,porque ela se  colocou como modelo objetivo( a  dialética de Hegel era  idealista a de Marx [e Engels]materialista),que deveria ser seguido pela  subjetividade,num dogma que  foi tido  como obrigatório para  os que eram marxistas e  para  os  que não eram.
Assim se  criou uma  falácia marxista segundo a  qual existe uma  “ciência burguesa “  e uma “  ciência  socialista”,sendo esta melhor  do que aquela por  conhecer e  usar a dialética.A  ciência  burguesa  não se  movimenta,a  socialista  sim.Se Gregor Mendel,um modesto monge,não conhecia  a dialética,sua  ciência não tinha  validade,sendo  “ burguesa” e “medieval”.
Em  compensação  os soviéticos  tinham o grande  Lyssenko que  criou as vacas  socialistas,usando a  dialética.As vacas socialistas eram as melhores   por  causa  disto.Vê-se  um reflexo desta besteira  no episódio do Touro Rosafé em Cuba,na  década de 70,citado e narrado por Fernando Morais  no livro “ A ilha”.Por  ser um touro marxista-leninista  ele tinha tudo para desenvolver,sozinho ,a pecuária daquele  país.Mas ele não aguentou  cobrir  as vaquinhas todas...
Também se destrói uma visão  vulgar da  dialética pela  qual  o  ser se  define  por  tudo o que é não é  ele,numa  irresponsável  atribuição de  relação dialética a  tudo o que existe,chegando às raias do anedótico.Bronowski,que  detestava  Hegel(entre outras coisas por  isto),cita em seu “ Evolução do Homem” episódio  da  vida  do filósofo,dando conta  de  que  certa  vez  alguém o perguntou  como ele explicava,pela  dialética, o fato de existirem(naquele tempo)7  planetas e  não  mais  e  ele teria  dito “ dialeticamente  falando e  confirmando a sua validade,só existem 7 planetas porque não existem 8  ou 6”.
Luckács,na  sua última entrevista,em 1970,também reprovava esta visão vulgar ,dizendo que  o homem  não podia ser definido por  não ser um barbeador elétrico ou uma  vaca.O não ser do homem  não era tudo,não era  qualquer coisa.
A  dialética permanece  como um produto da  consciência ,um método de  prospecção do diálogo,do outro de razão,de  sentimento.Assim ela  sobrevive  como método democrático,de  extração de  pluralidades  autênticas e legítimas.Trabalhar com a oposição,com o outro é  uma  tarefa  que a dialética  pode  ajudar a  fazer.
Pensar dialeticamente assim é admitir  que só pode  haver integração entre  dois  discursos porque  cada um tem uma  identidade própria. A dialética  só se  sustém enquanto admite o diferente(e  a  identidade) como parte do processo de compreensão do mundo e de  sua modificação.
O dogma supra referido se sustentava no falacioso  critério objetivo pelo qual só se integrando a  subjetividade  no movimento se podia dar-lhe  sentido,mas o sentido  da subjetividade é ela própria como identidade real que  busca na relação (dialética)com o outro ,formas de  relação,plurais  e enriquecedoras.
Por isso  esta  visão cientificista,da dialética objetiva,  ajudou o stalinismo em seus horríveis crimes:como o modelo do movimento objetivo significava  progresso era  justo  suprimir a  subjetividade;era justo um poder  politico totalitário exigir  isto,porque esta era a forma   de integrá-la  no movimento(dialético)do progresso,a  sua destinação(universal).
O  stalinismo é o sujeito-não  sujeito,a perversão da  dialética,o sujeito que se comporta não em si mas fora  de  si,ou por  fora  de si,contra  tudo e todos.è  este  individuo que em  nome  da ciência(ou da  ideologia  cientificista)destrói o outro.
O  stalinismo(e  Pol-pot,Mao et al)faz  o mesmo que a  Igreja  católica medieval e inquisitorial.Como intercessores da verdade,dominando  a ciência,o conhecimento (de Deus[o Deus=ciência]),tutelam a  subjetividade,porque mais do que  ela  ,conhecem a sua destinação e  por  isso teriam o “ direito’  de  conduzi-la  ao seu caminho(pela  força  inclusive).
Tanto o stalinismo como a  Inquisição  conduzem a  subjetividade  para seus(deles,igreja e  Stalin)  respectivos Deuses.
Depois  de ela pagar a sua “culpa”,a  dialética  pode sair da  prisão e respirar novos  ares.

segunda-feira, 20 de julho de 2015

Qual o papel possível do materialismo histórico hoje?



Neste sentido ,além da  desmistificação da  realidade  social,(que é  afinal,a  maior  contribuição  materialista de Marx  e  Engels,o seu  novo  materialismo),qual  a  maior  utilidade  ou  utilidades  do  materialismo  histórico,hoje ,entendido  o    materialismo” como,também,experiência  subjetiva  humana?
Tirando de  lado  o  dogmatismo  heterodoxo,o  materialismo  histórico é um método de prospecção de discursos  variados ,como  aqueles  a  que  eu me referi  no  artigo anterior,sempre  na  perspectiva de desvelar  o véu místico  que cobre,não  raro,estes  discursos,bem como  a realidade  social  em  si mesma.
Nós  poderíamos acrescentar  outras  possibilidades  de  discurso,por  exemplo,na  minha opinião,o  diálogo  percebido  por Erich  Fromm   entre  Marx e  Freud,é  mais  que  válido,ainda,mesmo  que  ambos  não  concordassem e  estivessem  ,no  mínimo desinteressados  disto.
Mas  é  a transcendência do  conhecimento,da  ciência,das  ciências  sociais  ,que  governa  o  trilhar este  caminho complexo,mas  cheio de  grandes  aberturas.
Visto  o  materialismo  histórico  como algo  mais  que a pura  constatação da  realidade(despojamento do véu  místico,ideológico),mas  como  conhecimento  transcendente,pode-se  fazer  muitas  aplicações  sobre a psicologia,as  ciências em  geral,sociais e  naturais.
Nas  ciências  naturais  avulta em  importância  o reconhecimento  do  movimento de transformação que ocorre  no plano da  vida e  que sempre  inspirou  grandes  descobertas ,mas  também  grandes  erros.
A  aufhebung  materialista  deriva  da  biologia moderna.Depois  que o  movimento  foi “ descoberto” pela física,a  transformação  ,na  vida, trouxe  muito  mais  do que a simples  concepção de  transformação entre  forma  e conteúdo,ou antes,substância,presente  na  filosofia  de  Aristóteles(modelo,em  muitas  coisas, de  Marx).
Dentro deste  novo  materialismo  histórico é  possível pensar  que as  idéias têm precedência ou,no mínimo,estejam  pari  passu  ,com o  movimento da  sociedade?Penso  que sim,principalmente no  que tange  à  superação  histórica da escravidão,por exemplo(assunto  para  um  próximo artigo).
A  questão do papel  da  Arte,o da  Filosofia  mesmo,enfim,o materialismo histórico  é um método de descoberta,alternativo, de verdades  concretas  que  podem enriquecer a experiência  humana.Nem sempre  com a  concordância de  seus fundadores.e sempre dentro d a divisa:” A verdade é  concreta”.

sexta-feira, 17 de julho de 2015

O marxismo revivido




Preocupado em  preparar  os  meus  novos  livros  que  sairão  em  breve,demorei  para  voltar  aqui e  continuar  os  estudos  sobre  marxismo e  afins(Hegel,Filosofia,Politica),mas aqui estou de  volta  para continuar  o  artigo  anterior.
Olhando  o diagrama acima  nós  vemos  que recolocado  num  lugar  melhor,transcendente,o  marxismo  e  o materialismo  histórico podem  ser  mantidos,nos  seus  devidos  lugares,para contribuir ,com sua experiência  negativa e  positiva,para  o  movimento  social  do  futuro,que  começa  no  presente.
Se  admitirmos  as  idéias  como  parte  da  experiência(material)humana,muitas  mediações  interessantes  põem  fazer  parte  de  novos  métodos  de  compreensão da  consciência  humana e  social.
Nós  vemos acima:ideologia,como  consciência  falsa  e verdadeira,uma  discussão  importantíssima,inclusive com reflexos  na  compreensão  moderna o papel  da religião;a  pseudoconcreticidade,um  termo  que eu  achei  num  filósofo  tcheco  muito bom,Karel  Kosik ,que  a  denomina  como a experiência  espiritual(empiria)que  cada  homem  carrega  consigo a  vida  toda;a  imaginação,que pode  nos  ajudar a  compreender um Feuerbach,que  dizia  ser a  religião  uma  projeção  imaginativa  do  homem,da  subjetividade;também a  imaginação deve  recolocar o marxismo  numa  posição  melhor para  entender a arte,para  além da  sociologia;discurso,sentido,outras  mediações  serão  acrescentadas e  analisadas  dentro deste  propósito  d  ver como  o   marxismo  pode  continuar.