domingo, 27 de setembro de 2020

Um erro pedagógico crasso de Lênin( e de outros aí)

 

Oscar Niemeyer costumava dizer que se a pessoa tivesse 10% de qualidades estava muito bom.Depois afirmou que Lênin pensava do mesmo modo.Mao Tsé tung teria dito em certa ocasião que ele fazia revolução com o que tinha de material humano,sem questionamentos,inclusive de caráter moral.

Não sei efetivamente se Lênin disse isto,mas esta citação revela um pouco sobre o que se entende como pedagogia associada à revolução socialista,mas também às conepções típicas de nossa época,que ainda causam mal-entendidos.

Certa vez no sindicato dos professores do Rio de Janeiro eu disse que as condições prévias educacionais do Brasil não eram iguais às da Europa e fui tachado de seguidor de Berlusconi,que havia feito aquela afirmação sobre a superioridade do continente.

O que eu disse e digo agora contra todos estes personagens nomeados aqui é que o homem não é um ser dissociado do tempo e das condições históricas em que nasce.Em princípio,todo povo e toda pessoa tem condições de aprender e evoluir pelo esforço,mas as condições histórico-temporais jogam um peso muito importante na decisão de crescer educacionalmente.

Os socialistas e comunistas são igualitários e tiram desta “ democratização” dos povos e pessoas a motivação para os esforços de construção da utopia e do novo homem,mas os homens são desiguais e são influenciados pelas referidas coordenadas temporais, a herança que cada geração recebe ,mediatizada sempre por questões de classe ,geográficas,mas nunca raciais,genéticas etc.

Eu trago este assunto aqui para mostrar que não adianta querer,pela força,que se estrutura neste igualitarismo,obrigar a sociedade a evoluir ,porque diante de uma situação social/sociológica determinada é praticamente impossível mudar uma geração já fixada e é preciso jogar com as possibilidades da geração seguinte.

Os bolcheviques fracassaram na questão da mudança econômica da URSS exatamente porque achavam que pura e simplesmente,com a oferta de melhores meios para os camponeses isto os faria produzir mais ,mas pelas razões supraditas camponeses acostumados à enxada não tiveram como aprender algo novo.Esta é a base social inevitável da coletivização forçada,que pegou uma parte dos camponeses irredutíveis e os obrigou a agir segundo as determinações do estado; e aqueles que ainda podiam se modificar foram deixados em semi-liberdade.

Na Portugal socialista da revolução dos cravos as tentativas de criação de cooperativas esbarrou no exclusivismo dos camponeses e na necessidade deles de posse dos seus instrumentos de trabalho para produzir pelo menos o essencial.Os comunistas hegemônicos em 1975,quiseram fazer um movimento idêntico ao que a burguesia fez na Inglaterra do final do século XVII,tida por Marx como a origem violenta do capitalismo industrial moderno:as fiações individuais e caseiras foram renuidas em locais próprios,financiados por endinheirados ,que,diferentemente do que acontece no socialismo fizeram um aporte de capital.Os fiandeiros individuais perderam os seus instrumentos de trabalho,em favor de um salário.No projetado socialismo português isto não foi para a frente por que os camponeses não aceitaram esta expropriação e porque os comunistas não investiram em nada novo.

E estas considerações significam mais um termo de igualação entre o totalitarismo de direita e o de esquerda:as hipérboles fascistas sobre a luta individual,a competição e vitória dos mais fortes acaba não sendo diferente dos questionamentos da esquerda,porque quando alguém como eu mostra as eventuais dificuldades que uma pessoa,uma criança,em aprender ,os militantes acusam de fascistas e as pessoas de fracas e de preconceituosas,supondo a incapacidade da pessoa,por razões de raça ou condição social.Uma vitimização que favorece certas vanguardas,que igualando desiguais,manipulam melhor certos grupos ,que ficam no mesmo lugar,na mesma situação social,sem se emancipar e ultrapassar estas vanguardas e na exaltação romântica e idealizada do pobre,do miserável.Um insight rousseauista no mundo moderno...




domingo, 13 de setembro de 2020

Laços de Família Marx,nem anjo nem demônio

 

Estes filmes sobre Marx sempre se restringem à sua juventude.Biografias escritas completas tratam da vida toda,mas porque ninguém as lê e eu nunca vi nenhuma que mostrasse aspectos menos airosos da trajetória pessoal de Marx.Certo: sempre há uma justificativa de não tratar de problemas pessoais e este critério seria absoluto e exigivel sempre,se não houvesse uma exploração politica por trás do endeusamento de Marx , dentro do culto à personalidade de Stalin.

Como muita gente segue este endeusamento,principalmente jovens radicais que associam a utopia de Marx (que não é só dele) ao bem estar absoluto da humanidade,deve-se fazer uma devassa cautelosa ,mas firme na vida de Marx e provar o óbvio:que ele era uma pessoa somente.

Logo na época do filme sobre o jovem Marx,após a revolução de 1848,precisamente 1851,Marx ficou separado de sua esposa Jenny von Westphalen.Jenny foi pedir ajuda para a situação da família ,atingida pela derrota de 1848.

Em 1890, numa carta,Eleanor Marx,filha caçula explica a Laura sua irmã mais velha, as circunstâncias em que ocorreram os fatos biográficos que narro aqui.Eu reproduzo um texto em espanhol do livro de J.c.Ruiz Franco,” El bastardo de Marx”.

Todo comenzó cuando, en agosto de 1850, mi madre viajó a Holanda para pedir
ayuda económica al tío de mi padre, Leon Phillips.”

Eleanor cita um bosquejo de biografia de Jenny sobre seu marido:
“De Breve bosquejo de una vida memorable (de Jenny Marx)
En agosto de 1850, aunque estaba lejos de sentirme bien, decidí dejar a mi
hijo enferme e ir a los Países Bajos para obtener ayuda y consuelo del tío de Karl (…) El tío de Karl estaba muy mal dispuesto debido a los efectos
desfavorables de la revolución en sus negocios y los de sus hijos, odiaba la
revolución y los revolucionarios y había perdido el sentido del humor. Se
negó a prestarme ayuda, pero cuando ya me iba me puso en la mano un
regalo para mi hijo menor, y vi que le dolía no estar en situación de darme
más (…) Volví a casa con el corazón afligido.”

Eleanor tomara conhecimento de que na ausência de sua mãe ,seu pai Karl Marx teve um affair com Helene Demuth,criada da família.

Assim Eleanor,nesta mesma missiva,explica as razões para este acontecimento:

Supongo que el Moro abordó a Lenchen porque se sentía solo, o tal vez fue
solamente su apetito viril lo que le llevó a acercarse a ella. Sea como fuere, hubo un
affair entre los dos, y lamentablemente para ellos hubo un embarazo que pronto fue
imposible de ocultar a mi madre. En marzo de 1851 vino al mundo Franziska, mi
hermana, que sólo llegó a vivir un año, y en junio sucedió lo inevitable, el nacimiento
del hijo de Helene. Aún me impresiona ver el laconismo de mi madre en sus
memorias al referirse al acontecimiento.

A comienzos del verano de 1851 ocurrió algo de lo que no volveré a hablar,
pero que aumentó en gran medida nuestras preocupaciones privadas y
públicas
Por supuesto, Möhme se refería al nacimiento de Freddy, que vio la luz el 23 de junio
de 1851, en la casa que mi familia ocupaba en el número 28 de Dean Street, en el
Soho . Por lo que yo sé, mi padre era bastante vigoroso, con un fervor sexual
bastante marcado, y mi madre le complacía en la medida de sus posibilidades. A
pesar de nuestras ideas avanzadas, mi padre seguía creyendo en sus derechos y
prerrogativas como varón, por encima de la mujer; por ese motivo tuvieron tantos
hijos, a pesar de su mala situación económica. Lenchen, en cierto sentido, era como
su segunda mujer, ya que se hacía cargo de casi todos los asuntos cotidianos de la
familia. En ausencia de mi madre, con la potencia sexual de mi padre y a su lado una
mujer de treinta años de buena presencia, mi padre tuvo relaciones con Helene, quien
posiblemente accedió con gusto, con el cariño y la admiración que siempre sintió por
el Moro. Mi madre estaba lejos y no tenía por qué enterarse de nada. Pero la
naturaleza les jugó una mala pasada en forma de hijo no deseado.”

Eleanor se refere a estes fatos biográficos de Marx fazendo considerações psicológicas que se aprofundaram no inicio do século XX,quando ela tomou conhecimento inclusive do pensamento de Freud.Na carta acima ela usa memórias de sua mãe,que chama de Mohme,maezinha ,e se refere a Helene Demuth como Lenchen apelido dado a ela pela família.

Freddy é o nome da criança que nasceu desta união breve de Marx com a criada.Eleanor toma conhecimento deste episódio anos depois da morte de seus pais e os confidencia a Laura.

Mas há mais .Tendo havido a concepção da criança ,para não perder o seu casamento com Jenny Marx pediu ajuda a seu amigo leal Engels.Note o leitor que até aqui Jenny não sabia de nada.

Prossegue Eleanor:

A comienzos de 1851, su embarazo era evidente, así que mi padre y ella, en secreto,
tuvieron que inventar alguna explicación. No podían reconocer, ni ante mi madre ni
ante los amigos de la familia, y menos ante la opinión pública, que él era el padre.
Así que el Moro recurrió a su íntimo amigo, conocedor de todos sus secretos, no sólo
para contarle el asunto y con ello aliviar sus penas, sino en busca de ayuda y quizá de
algo más.”
Ela cita uma carta de Marx a Engels datada de 31 de Março de 1851:

De: Karl Marx
A: Friedrich Engels
31 de marzo de 1851
(…) Por último, para acabar de rematar la situación de un modo
tragicómico, existe un secreto que te revelaré en pocas palabras. Pero justo
en este momento me interrumpen y tengo que acudir junto a mi mujer, que
está en cama, enferma. Así que dejaré el asunto, en el que tal vez tengas
cierto papel, para la próxima ocasión.”
E de novo 2 de abril de 1851

De: Karl Marx
A: Friedrich Engels
2 de abril de 1851
Respecto al misterio, no te escribiré nada sobre él, ya que, sin importar lo
que me cueste, te visitaré a finales de abril. Debo apartarme algún tiempo
de aquí.”
E continua a caçula:

El 17 de abril, mi padre viajó a Manchester para pasar unos días con el General(General era o apelido que a família dava a Engels porque ele era estudioso de História militar,pensando inclusive na revolução), lo
suficiente para explicarle el mystère y convencerle del papel que tenía que representar
en la tragicomedia. Dado que el General había estado en Londres hasta noviembre del
año anterior y había visitado con frecuencia la casa de los Marx, habría contado con
oportunidades de tener relaciones íntimas con Lenchen. Además, como mi madre era
sabedora de la situación un tanto irregular del General en lo relativo a las relaciones
de pareja y el matrimonio, creyó que éste era el padre, sin dudar ni un ápice de la
historia inventada. Mi madre, además de estar siempre orgullosa de su origen
aristocrático, era muy conservadora en lo referente al matrimonio y nunca aprobó la
—para ella— escandalosa vida del General con las que ella llamaba concubinas. Así
que, ya que Engels era una especie de libertino, cabía la posibilidad de que hubiera
seducido a la inocente Lenchen para gozar de su cuerpo, y la consecuencia no
deseada era ese visible embarazo que ella mostraba en ese momento. Engels
demostró su lealtad a mi padre una vez más, si bien no accedió a ser el padre a
efectos oficiales, por lo que, cuando Helene inscribió a Freddy en el registro de St.
Anne de Westminster con el nombre de Henry Frederick, dejó en blanco el espacio
reservado para el nombre del padre y le puso su apellido, Demuth.”

Estes relatos são importantes para explicar mais detalhadamente coisas que já são conhecidas há muitas décadas aqui no Brasil.Isto tudo não é um drama terrível a conspurcar a família e o comunismo,mas ele se torna importante diante de um certo moralismo do movimento,que permanece até hoje,juntando uma vida quase divina do “ fundador científico do socialismo” e o comunismo mesmo.

Quando isto foi revelado a resposta aqui no Brasil sempre foi a de relativizar, pondo no contexto temporal a culpa,mas acaso,eu pergunto: tais ocorrências não transcendem a sua época?Não havia em Marx e no movimento um desejo real de prever o futuro, de construir um futuro melhor que já devia valer para os proceres do movimento?Não havia acusações de que estas coisas eram tipicas do comportamento burguês?Esta última conceituação foi permanente no século XX e é por isso que não há filmes sobre o “ velho Marx” só sobre o jovem:isto destruiria alguns dogmas e moralismos de alguns totalitários de esquerda por aí.No fundo o cientificismo se torna um idealismo moral que se transmuda em dogma.Se você não está com a libertação do homem, é uma pessoa imoral,burguesa,reacionária,ajudando a propagação da miséria,mas o marxismo ,a suposta ciência está na história,precisando de valores,paar além da ciência.

Lênin complica tudo,quando,ao liderar a revolução russa ,institui como dogma moral dos comunistas permanecer como tal para a eternidade.Há uma carta onde ele diz;” Não tem esta de ser compnaheiro de viagem,tem que ser comunista a vida inteira”.Muita gente morreu sob tortura por querer contrariar isto aí...

Mas não acabou não:

Jenny von Westphalen soube depois da tragicomédia e viajou para a Alemanha.Ao retornar durante muito tempo Marx e ela não deitaram na mesma cama.

No obstante, mi madre comenzó a sospechar de la historia,
posiblemente porque entre mi padre y Lenchen surgió una especie de lazo íntimo que
antes no existía. Los enemigos de Marx también empezaron a hacer correr rumores.”

e ela cita:

De: Karl Marx
A: Joseph Weydemeyer
2 de agosto de 1851
Puede usted imaginar que mi situación es bastante mala (…) Además de lo
que le he relatado, están las infamias de mis enemigos, que nunca se
atreven a atacarme abiertamente, pero que están intentando vengarse
poniendo en entredicho mi buen nombre y haciendo circular las más
inefables calumnias contra mí (…) Mi mujer, que está enferma, se siente
peor cuando los estúpidos chismosos les hacen llegar todas esas
habladurías. La falta de tacto de algunas personas en este sentido suele ser
enorme.
Así que al final tuvieron que contárselo a mi madre, que sentiría como si recibiese
una puñalada en lo más profundo de su corazón. Su amado marido y su querida
amiga y confidente —más que criada— habían aprovechado su ausencia para tener
relaciones sexuales. Por supuesto, Möhme guardó silencio por el buen nombre de la
familia y por el bien de la causa comunista, pero el suceso debió dejar huella en su
naturaleza enfermiza y su carácter histérico. Supongo que tampoco quiso divorciarse
por esos mismos motivos.

Depois de décadas eu encontrei este texto,que vou analisar ainda mais,proximamente.

A justificativa da esquerda(que eu ouvi de meu pai em 1980)não acabe aqui.A ética ,a psicologia ,a filosofia humanizam mas num determinado momento deve-se reconhecer as faltas reais de Marx,que era um homem cheio de defeitos e cuja exaltação quase religiosa,que não se pode saber se ele aprovaria,é falsa e manipulatória,enganando as pessoas,os militantes, em prejuizo da verdade.Gramsci dizia:” Só a verdade é revolucionária”.


o filho adulterino de Marx

sexta-feira, 7 de agosto de 2020

Coletti e o fim dos anos 70

 

Continuando a analisar os efeitos da invasão da Tchecoeslováquia,retorno à leituras essenciais de Coletti em seu livro impactante “ Ultrapassando o Marxismo”.Impactante para muitos militantes como eu no inicio dos anos 80 ,que considerava ainda o socialismo inquebrantável e fadado ao sucesso.Na capa da tradução brasileira uma esfumaçada foice o martelo anunciavam o que viria depois,mas naquele momento isto era impensável.

Devo lembrar ao leitor o que disse no texto sobre a invasão da Tchecoeslováquia:ela acabou com os possíveis e esperados bons efeitos eventuais da desestalinização.Certo ,em nome do socialismo e do comunismo crimes ainda maiores do que os do fascismo foram cometidos,mas os (nós)comunistas reconhecemos e queremos superar este problema e criar uma alternativa ,baseada no marxismo,de uma via democrática e não violenta do socialismo e do comunismo.

Num dos artigos finais de Colletti,no texto citado,que se intitula “ crise do marxismo e dissensão soviética” o autor resume as consequencias desta pretensão de renovação e lembra que já desde 1931,com austro-marxistas como Korsch,a crise do marxismo já prenunciava a impossbilidade da alternativa.Ele cita:

Coletti faz os seus comentários,mas eu acrescento aqui uma coisa que ele diz no âmbito do livro,mas não neste passo:em última análise ele afirma aquilo que já estava potencialmente sendo atribuido a Marx e Engels desde o século XIX,após a publicação de O Capital,ou seja,de que a obsessão economicista (e cientificista)de Marx criava as condições para transformar esta ideia num modelo politico autoritário,que foi o que aconteceu.

A falta de mediações politicas e culturais no pensamento de Marx facilitou as coisas para esta perversão.Ou melhor, permitiu que a perversão já contida no ovo eclodisse.A criança já era um terato,um aborto.Porque não se adequava com o real.

Eu não tenho dúvida de que,como todos nós,Marx estaria em 1917,mas seria obrigatório que se desligasse da revolução russa em 1928,pelo fato de que neste ano ela terminou.Isto porque na abordagem metodológica e científica de Marx ele supostamente sempre deixou em aberto possibilidades de uma adaptação humanística de sua concepção,que revolução russa sepultou.Mas é discutível se estas possibilidades o eram realmente.

Um caso elucidativo é o do anti-humanismo teórico,extraido por Althusser,que virá depois aqui participar do nosso debate:Marx propõe no Capital que pelo concreto de pensamento há que acompanhar o movimento(dialético) constante e real,dos trabalhadores,dos homens reais individualmente considerados e reunidos,o que para Althusser comprova a despreocupação de Marx com um conceito geral de “humanidade”,própria segundo Althusser ,do idealismo(fixe bem o leitor esta palavra,ela vai voltar aí).Mas não há esta prova de que Marx autorizasse esta visão.Althusser procura nesta interpretação de Marx exatamente novas bases para um alternativa ,a partir dos textos fundamentais.

O fato é que Althusser confirma que a tentativa de renovação com base nos textos só degringola,porque estas lacunas de Marx,estas possibilidades não preenchidas nunca e quiçá não preenchíveis,decretam o que se disse acima da criança deformada.E mais do que isto,a inadequação do pensamento de Marx com o real,causado pelo economicismo,torna-o,como eu já falei em artigos anteriores antiquíssimos,um idealista como outro qualquer.Estas possibilidades,buscadas pelos epigonos não o eram de fato.Sá impossíveis de adaptar aos textos.

A sua oposição da ideologia(consciência falsa)diante da ciência(consciência verdadeira)distorce o real na medida em que a ideologia,mesmo falsa,pode ser verdadeira para o sujeito(cognoscente),categoria filosófica que Marx deixou de lado subsumida nas suas categorizações metodológicas,dedutivo-racionais(Aristóteles) e dialéticas(Hegel).Porque não é a ciência que desvela as condições materiais de existência,mas a prática e a prática não é só cientifica ou cientificizável,mas existencial,sem obrigatória relação com as categorias.Esta é uma contradição simplesmente escandalosa mas que expõe o cientificismo de Marx e sua datação.

As razões disto estão na referida concepção de Marx sobre ideologia e na questão da dalética.Tratarei disto no próximo artigo

sábado, 4 de abril de 2020

Florestan e o socialismo real II

De modo geral o comunismo,no seu sentido real, está embutido no socialismo e mesmo no capitalismo.Mesmo no capitalismo não,ele deriva,segundo Marx(e outros, no iluminismo alemão)das condições criadas pelo capitalismo.
Conforme eu já expliquei em outras ocasiões,o esquema geral do comunismo se entende pela imagem abaixo,analisando-a:

Na comunidade primitiva,antes da civilização(das primeiras cidades)e da História,o princípio do iluminismo alemão(Lessing),” de cada um segundo a sua capacidade,a cada um segundo sua necessidade”já estava implicito e o cristianismo,nas suas comunidades dos dois primeiros séculos de nossa era,o repetiu.
Mas este comunismo primitivo,baseado numa escassez inevitável,foi retomado no século XVIII,diante da primeira onda industrial,cujo ápice aconteceu em 1750(Hobsbawn).Os iluministas alemães se deram conta de que este esquema cristão podia permanecer diante da superanbundância de bens,algo que era agora possível de obter com as máquinas.E de quebra se recuperava aquilo que havia de bom na comunidade primitiva:a ausência de classes,a uniformidade do ser humano,do gênero humano.Uma realidade que foi perdida e que deveria ser recuperada.
Eu,pessoalmente diria,que o esquema de Platão podia ser aplicado aqui:os homens perderam a sua idade de ouro e lutam séculos para (re-)voltar atrás.A utopia comunista tão identificada com o futuro na verdade é um retorno e Marcuse ressaltou bem isto.Tratarei disto aí em outro artigo,no blog temas.
No artigo anterior sobre Florestan eu disse que o socialismo não é ainda comunismo(bem como o capitalismo ora...),o que causou espécie em muita gente.
Os governos socialistas colocavam à disposição da sociedade inteira tudo o que era produzido,que é um dos objetivos do comunismo:todos terem acesso imediato a tudo e com tempo livre para se dedicar a qualquer coisa.
Agora,no Brasil,se fala muito em certas rádios,em uma renda básica universal,para que aquele que está irremediàvelmente desempregado,possa fazer isto,com tempo livre,mas isto está na “Ideologia Alemã” de Marx.
É verdade,o socialismo,embora ainda não comunismo,se compromete a realizar esta comunização geral,mas esta,foi isto que eu disse,não é legitima,porque ela é baseada numa escassez,com o compromisso de crescimento econômico e superabundância dificil de conseguir,no plano regional ou nacional.
Ao distribuir,por exemplo(como ocorreu de fato),moradias para todos,sem capacidade produtiva,tal distribuição não só não é equitativa,porque não há moradias de qualidade para todos,como repete os problemas do capitalismo,porque pessoas desigualmente consideradas vão exigir itens melhores,segundo a sua atividade e importância social e politica.Talvez mesmo o socialismo,neste passo,crie distorções.
Por isto Marx nunca apoiou o termo socialismo,porque ele advogava a ditadura do proletariado,que criaria as condições para a implantação o mais rápido possível do comunismo.Admitia a fase do socialismo,como a da ditadura,se fosse por pouco tempo,como os seis meses da ditadura do consulado romano.O socialismo iguala desiguais e a permanência ,no tempo,desta situação,cria distorções.
Por isso concordo com Slavoi Zizek que de que o termo legitimo é comunismo e não socialismo,que é usado inclusive pela direita(nacional-socialismo).
As distorções referidas são aquelas do inicio do bolchevismo ,que colocava dezenas de pessoas miseráveis em mansões para obter apoio politico,sem considerar muitas vezes que mo meio do povo muitos desqualificados e mesmo criminosos estavam,ferindo,a longo prazo a confiança no socialismo e desestimulando a competição,porque o homem de bem era igualado ao vagabundo.
Não há necessidade de tomar o que é do outro( a não ser por um pressuposto legal provado,seja no socialismo ou no comunismo),nem de destruir as igrejas para oferecer oportunidades a todos,a não ser que se considere determinadas classes ou religiões potencialmente inimigas do comunismo.
Assunto de que falarei mais à frente.

segunda-feira, 23 de março de 2020

Florestan e o socialismo real

Quando da queda do socialismo real Florestan Fernandes advertiu que o que caiu não foi efetivamente o comunismo,mas um regime socialista,prévio à implantação do comunismo.A rede globo respondeu expondo o primeiro congresso da III internacional no qual Lênin instava a todos os partidos socialistas do mundo a se tornarem comunistas,a partir do exemplo da URSS,recém fundada,em 1922.A condição de isolamento da URSS era a sua desgraça,o seu enterro histórico, a sua ruína anunciada.Por isto a revolução devia continuar e se espraiar.
Contudo enquanto a revolução mundial não ocorre os regimes socialistas procuram preservar com todos os meios possíveis ,inclusive a força,a repressão,aquilo que se conquistou,na espera da redenção geral.A própria URSS ,de seu lado,tinha a obrigação de se desenvolver ao máximo para esperar o momento de universalização.
A mantença da URSS,decisão tomada por Stalin,estava totalmente de acordo com os fundamentos de criação desta federação por Lênin,em 22.E todos os militantes,mais ou menos,no mundo todo, seguiram esta determinação de preservar a URSS,às custas da democracia,para esperar a revolução mundial que nunca veio.
Esta situação nos remete aos fundamentos da teoria,porque lá,no pensamento de Marx e Engels não havia,como Lênin recolheu da obra dos dois em O Estado e a Revolução,uma conciliação entre o o conceito de comunismo com o de Estado,muito menos o estado inflado da URSS.
Para Marx quanto mais comunismo,menos estado.O estado deveria ser só uma administração,uma mediação administrativa.
O que motivava Lênin e Stalin também era que a URSS ficaria momentâneamente isolada,mas que a revolução mundial voltaria e poderia ser até fomentada por novas guerras,até mesmo contra a URSS,como foi,afinal a segunda guerra mundial.
É um pensamento atribuído a Trotski o de fomentar guerras porque quanto mais guerras mais o socialismo avançaria,mas era uma crença de Stalin também.
O fato é que todos acreditavam que a URSS não poderia ficar isolada,porque se assim fosse,desapareceria,levando o socialismo.
A II Internacional antecipou esta decadência no momento próprio de sua continuidade,mas os que seguiram o apelo de Lênin levaram o século XX inteiro para descobrir que não haveria revolução mundial e que,portanto,o socialismo estava com os dias contados.
Mesmo Guevara,que lançou a última consigna da revolução mundial,com o terceiro mundismo,antes de ir morrer na Bolivia(meio sem razão),percebeu em seus estudos finais,que a tendência do isolamento da URSS se transformara em nacionalismo,totalmente contrário ao comunismo.Era mais importante o que os russos faziam do que o comunismo poderia fazer.
Acontece que os comunistas em todo lugar e no Brasil sempre se referiram ao regime como comunista e depois da queda se lembararam que não,convenientemente.

domingo, 8 de março de 2020

Porque prefiro Max Weber à Karl Marx(e à Aristóteles).


Tudo é uma questão de método.O método na ciência(e a própria ciência[como tudo na vida]),muda com o tempo e com o tempo qualificado,que é a história.
Até muito recentemente estas verdades não eram reconhecidas e pensava-se muito numa ciência ,num saber ,definitivos.A noção do tempo não era compreendida em todas as suas implicações.
A revolução francesa consagrou o princípio dinâmico da sociedade moderna,que,livre da idade média,se permite colocar novos fundamentos para si própria,à hora desejada.
Não é à toa que Beethoven representa muito deste periodo novo,na medida em que ,como criador,permite a criação de diversos códigos de criação para a sua arte e para a dos outros,que o seguem(Roland Barthes).
Este debate entre tempo e novos códigos e dogmatismo atinge também o marxismo,na sua relação com a sociologia.
O meu primeiro contato com Weber foi o pior possível,porque ele me apareceu distorcido pelo dogmatismo stalinista que o considerava prócer de uma “ ciência burguesa” ,se é que isto existe.Naturalmente a maturidade esclarece muitas coisas,ajudada pelos fracassos do marxismo.
É uma exigência ,depois do fim do comunismo,rever conceitos,após reconhecer,psicológica e éticamente a derrota.
Sim ,porque não e´uma questão técnica ou funcional a derrota,mas teórica,de fundamentos.Se o socialismo real,de orientação comunista,fosse bom,não teria caído tão fácil e analisando a sua trajetória fica clara a dependência cada vez maior do socialismo real do capitalismo,que acabou por passar por cima dele,inapelavelmente.
Não é à toa que os chineses tiveram que reformular o seus critérios de competição com o capitalismo,primeiro aderindo a ele em grande parte e segundo evitando uma competição simétrica tradicional,isto é,pari passu.Os chineses competem usando várias estratégias inter-relacionadas e indiretas de competição,para evitar que uma corrida acabe destruindo a China.
Mas estes são temas de outro artigo.Por trás destas discussões que eu adiantei está o problema metodológico que opõe Karl Marx a Max Weber.
Os comentadores de Karl Marx são acordes em dizer que ele usa a Totalidade como meio metodológico de atingir os seus objetivos científicos.A totalidade,como “síntese de múltiplas determinações”,não é mais do que o método dedutivo-racional de Aristóteles acrescido da dialética hegeliana,”colocada sobre os seus pés “.
A “ síntese de múltiplas determinações” não prescinde de uma premissa racional que dê sentido a esta totalidade:a totalidade não é indistinta ,como a dialética não é.Não tem sentido tomar dados do real e observar as suas reciprocas determinações a fazer sentido por elas próprias.Como seria o esquema do Capital,da produção de mercadorias,se Marx não tivesse colocado a premissa?A premissa é a mercadoria,o padrão mais geral do capitalismo.Mas este padrão é típico da metodologia dedutivo-racional,aristotélica.Isso constitui uma contradição com a ideia da dialética,mas isto é assunto para outro artigo também.Não nos desviemos.
O fato é que Marx é um Aristotélico,utilizando padrões gerais ou um padrão total,para ,deduzir as suas partes e manifestações,como fez com a mercadoria no Capital.Depois ele aplica a dialética ou a usa pari passu.Marx decompõe a mercadoria e analisa o seu processo de produção,reprodução e circulação.
A sociologia vai se formando aos poucos e Marx é um dos seus criadores quando inicia a sua explicação da mais-valia,pelo “ tempo de trabalho socialmente necessário para a produção de mercadorias”.A mais-valia não foi descoberta só por Marx.Os economistas neo-ricardianos,como Eduard Thompson e Joseph Bray a anteciparam.Ricardo não,mas estes seus discipulos revelaram que o trabalho é que agrega valor às mercadorias,aos bens e produtos.Esta afirmação ,no entanto,por si só,não explica o capitalismo.O capitalismo é um sistema no tempo,atuando segundo modos especificos de produção e é só assim que é explicável a produção de mais valia:aquela que mantém o sistema funcionando.
A sociologia,no entanto,é descritiva e compreensiva,porque ela percebe que o modelo de padronização racional ,embora inelutável,não cobre a infinidade de eventos,inclusive singulares,da sociedade.Como expliquei em outro lugar,a burguesia,pressionada pelo movimento social ,resolveu investigar as condições precárias em que viviam os trabalhadores,no intuito de conter as suas reinvindicações.Neste contexto é que surge a sociologia.
Diversas correntes vão delineando esta “ ciência”,com os momentos decisivos de Comte e de Durkheim,com o fato social.Mas a questão fundamental da sociologia é a sua descritividade,a sua compreensibilidade,diferente dos padrões racionais dedutivos de Aristóteles.Não é que a sociologia acabe com Aristóteles,ma só limita,mostrando que as leis sociais são tendenciais e não certas,absolutas,como pensava o estagirita e pensam ,em muitos casos,a ciência e a filosofia.Sim porque a sociologia não tem condições de substituir evidentemente a ciência, a filosofia.
Trago esta questão por causa da comparação proposta entre Max Weber e Marx.Marx ainda é fundamentalmente um aristotélico enquanto que Weber propõe uma metodologia sociológica isenta.
Como acabamos de falar uma coisa são os padrões dedutivo-racionais,outra a descritividade,a compreensão que esta descrição proporciona.
Porque considero que o método sociológico é melhor do que o de Marx?Porque ele abarca a sociedade em seus momentos singulares,enquanto que o método aristotélico forma padrões essenciais ,deixando de lado o que é acessório.A sociologia compreensiva inclui estes momentos acessórios.
Como se sabe, a formação de padrões racionais e sua compreensão serviu de base a exclusões sociais e politicas,em todo o ocidente:os povos e pessoas incapazes de compreender esta “ razão”(dasein:esta razão aí)foram,de algum modo,excluídos.A razão e a sua inacessibilidade foram usados para os piores crimes.
Sempre me impressionou que Max Weber usasse ,para suas análises,não categorias monumentais próprias do aristotelismo.Aristóteles usa “Ontologia”,”Arethe” e assim por diante ,mas Weber constrói explicações complexas com expressões coloquiais ,de pessoas às vezes iletradas,como nos seus estudos de religião.Ele chega ao cúmulo de reproduzir certas frases recorrentes em determinados grupos e seitas para fundamentar explicações.
No sociologia do futebol fica assentado que é possível mudar certos termos,para inclusive,no plano social,induzir mudanças.Ao invés de se referir a um clube “ pequeno”,inexoravelmente,pode se dizer “ clube de menor investimento”,que pode se tornar depois,de “ maior”.
Por mais que o marxismo tenha a intenção de ser popular e humano ,a sua matriz aristotélico-hegeliana o induz a derrapar na excludência e nele,ab ovo,estão as horriveis consequencias futuras decorrentes das tentativas de provar a justeza da teoria.Em Marx está um pouquinho sim(sem ele saber)de Stalin.
A caracterização do campesinato,como “ cretino”,por parte de Marx(“ cretinismo do campo”como se vê no “18 brumário”),o prova,porque foi isto que justificou,entre outras coisas,a violência contra os camponeses,na “ coletivização forçada”.Este tipo de pensamento não era só de Marx,mas do cientificismo e do Iluminismo,mas depois tratarei disto.O fato de cientificamente se considerar as relações no campo como arcaicas,diante de um mundo melhor porque mais produtivo,(não)justifica a violência,mas acaba justificando,diante das “ necessidades politicas”.
De outro lado Weber mostra como o reconhecimento ,por parte das famílias protestantes em torno de uma mesa de almoço,agradecendo a comida proporcionada pelos camponeses,em oração,por pequena (a contribuição[o trabalho]{e a comida})que seja,marca um ponto acima dentro dos humanismos propostos ,o marxismo e a sociologia weberiana,a favor,claro ,desta última.
Por isto prefiro Weber a Marx.