segunda-feira, 26 de novembro de 2018

A II Internacional e Kant


A II Internacional,criada depois do fracasso da Comuna de Paris em 1871,por Marx e os marxistas e social-democratas da época,os seguidores de Lassalle e de outros grupos no interior da Alemanha,dava continuidade a uma visão racionalista-iluminista e otimista da Europa,acreditando que a comunidade universal,quanto mais tomasse conhecimento das leis do desenvolvimento da História e da sociedade,naturalmente conduziria ao progresso tão desejado da humanidade.
Esta ideologia do progresso,como sabemos ,gerou a 1ª Guerra Mundial.Mas não foi só esta catástrofe.Todo este racionalismo cientificista gerou toda a violência do século XX,fato só previsto e percebido por Wagner,Van Gogh e Nietzsche.
O marxismo,especialmente da II Internacional ,caiu no mesmo buraco.Muito embora rompendo em grande parte com as concepções revolucionárias de tomada de consciência,de Marx,intentou uma visão reformista ,apta  a evitar as violências e descaminhos que as revoluções engendram no final.
Com o processo de industrialização da Alemanha e a sua unificação,neste ano mesmo de 1871,o governo monárquico e autoritário dos junkers,em frente já de um partido marxista forte,buscou legitimação,oferecendo uma proposta original e incipiente de estado previdenciário.A classe operária,organizada naquele partido,para melhorar a sua condição,tendia a aceitar a proposta e a social-democracia,para não perder o seu apoio mudou a estratégia política,saindo da preparação para uma revolução e chegando a esta concepção reformista de acumular forças e intensificar o movimento até que...o socialismo e o comunismo se apresentem como realizados.
Foi Eduard Bernstein,um dos próceres da social-democracia e da II Internacional(e amigo pessoal de Marx)que escreveu o livro que resume esta teoria:” O socialismo evolucionário”,no qual está escrita a famosa frase” o movimento  é tudo,o objetivo é nada”.Esta frase ,segundo Plekhanov,foi elaborada por Schultze-Gavernitz,mas teve repercussão a partir  de Bernstein.Isso,no entanto,revela que ,no interior da II Internacional e da social-democracia,esta discussão era quase permanente e este conceito quase consensual.
Esta concepção dá inicio à imensa discussão sobre o caráter “ ampliado” do estado moderno,que passa por cima das visões do próprio Marx(e do anarquismo):até 1871 as correntes comunistas ,socialistas e anarquistas entendiam que o estado era mero comitê de assessoramento da burguesia e que bastava tomá-lo para mudar este estado de coisas.
Agora com a participação cada vez maior da classe operária no processo político esta idéia desapareceu.O chamado “ último Engels” se encaminha para concordar com esta inevitabilidade.Os últimos escritos de Engels dão conta de que a presença do operariado é cada vez mais imprescindível e inarredável no processo de mudança da sociedade capitalista.É neste último Engels,inclusive,que a idéia de uma inevitabilidade dos sistemas de modos-de-produção surge,causando tantos problemas de interpetação posteriores.
Para Engels e  a II Internacional era necessário ter havido a escravidão para se chegar ao socialismo,assertiva um pouco contraditória ao que os mesmos Marx e Engels disseram nas cartas trocadas com os narodniks russos,” contra a idéia de uma filosofia da História”.
O stalinismo é acusado de ser um continuador destas concepções de inevitabilidade do socialismo e do comunismo da II Internacional,mas isto é uma meia-verdade:a revolução russa deriva da tomada de consciência,de um ato consciente,mas com a tomada do poder por Stalin o discurso passou a ser o da progressiva chegada aos objetivos,a partir do movimento social propriamente.
O que significa tudo isto(inter.).Para Bernstein,que afirmava seguir o pensamento de Marx,o desenvolvimento próprio do capitalismo engendra ,por suas  próprias leis,uma maioria de trabalhadores,cada vez maior.Na medida em que esta maioria ganha direitos,participa do processo econômico,as condições da burguesia prosperar se tornam menores,até ao ponto em que ela,como classe,é superada e deixa de existir.Este é o significado da frase supradita  “o movimento é tudo,o objetivo nada”,que fundamenta,por sua vez, a idéia de “ democratizar o estado burguês”,em direção ao socialismo.


O stalinismo expressa isto sim,mas ocultadamente,Stálin prosseguia acreditando numa necessária revolução mundial que rompesse o isolamento prejudicial da Rússia soviética.Havia uma conexão entre Stálin e Trotsky,coisa que eu vou analisar em outro artigo.
No que nos concerne neste momento é constatar o seguinte:de uma visão radical de tomada do estado ,a esquerda de inspiração marxista se redirecionou para uma participação cada vez mais crescente no estado burguês,o qual já não era tido como tão burguês assim.Neste sentido a república burguesa se tornou parte do processo de construção do socialismo:há uma república burguesa e outra socialista,que nasce e cresce dentro dele;a idéia do público é também apreendido pelos radicais.Toda esta tradição evolui para Gramsci e os seus seguidores mais recentes,como Poulantzas e Althusser,que buscam conciliar a  visão marxista  com este estado moderno,” ampliado”.Mas a verdade é que assiste razão a Luciano Gruppi ,quando ele diz que a idéia de “ cerco ao capitalismo”,constante de Gramsci, não é mais aceitável e possível.(“ O Conceito de Hegemonia em Gramsci”)
Muita gente pensa que o meu ponto de partida é a II Internacional e isto é uma meia-verdade.Porque nunca acreditei que o capitalismo se encaixasse “ naturalmente” no socialismo e no comunismo.Mesmo uma estratégia reformista exige uma decisão política,um modo de fazer e se relacionar com o capitalismo.
No meu pensamento as circunstâncias históricas,políticas,os processos do imperialismo ,desmentem esta tendência natural para o objetivo.Entendo mesmo que este erro favorece e  afirma o capitalismo  assim como enfraquece a luta contra tendências reacionárias,o que confirme o método de Lênin.
O que eu digo é que  a mediação consciente da mudança não é a revolução,mas a nação.Não compreendo,porque no âmbito de toda esta discussão de cem anos ,em que a forma política da burguesia é transmudada em favor do socialismo,em que o estado é ampliado e também absorvido e em que o conceito de público sofre idênticas alterações,a nação não passe por algo semelhante.
Aqueles que leram o meu primeiro livro de artigos sobre o marxismo,sabem porque razão o marxismo rejeita a nação,mas é justamente por isto que os seus descaminhos se deram.Aqui é preciso entender a complexidade do problema:a visão ortodoxa do marxismo defende a transformação do capitalismo como base para a utopia,mas o capitalismo não se manifesta da mesma forma.Quando Stálin  quis manter o socialismo na Rússia(esperando o retorno da   vaga revolucionária)parte dos socialistas e notadamente os seguidores da II internacional ,preconizaram uma transição para evitar a restauração cazarista e  nacionalista .Estes socialistas prosseguiam o pensamento de Bernstein,contra a nação.  Por isto eu me separo da II Internacional:o capitalismo não é só um modo de produção,é uma formação social,em que os valores culturais são cosntruidos não só no contexto  da luta de classes,mas no da  sua interação.Quando Bimarck propôs um acordo econômico aos operários alemães ,se deu esta integração,se deu um procedimento típico de reforma,a qual sustentou a estabilidade nacional do pais recém unificado.Se fez uma transformação  reformista  pacífica.
E,novamente,os que me leram naquele supradito volume conhecem a minha posição diante da revolução comunista:eu destaquei um trecho de “ A Ideologia Alemã” em que Marx ressaltava a necessidade de uma revolução mundial que libertasse todos os trabalhadores e não alguns ,inseridos e limitados pela fronteiras nacionais.Para ele não existe comunismo nacional,revolução nacional (termo criado pela direita,precursor do fascismo,por Wagner[originalmente uma pessoa internacionalista e de esquerda]).Esta questão é muito complexa também e eu vou abordá-la aqui em próximo artigo,sobre a viabilidade de um comunismo nacional.
Contudo é preciso dizer que eu não sou anti-internacionalista ou nacionalista,isto é um falso problema.A comunidade universal de Kant iria se encaixar naturalmente,no entender dele,o que o faz parte da concepção social-democrática da II internacional,mas a história demonstrou a ingenuidade formalista de Kant e a ingenuidade materialista da tradição marxista.São lados que não se interpenetram e eu já expliquei o motivo:a falsa oposição entre as condições materiais de existência(as relações econômico-sociais)e as idéias.
Não existe ainda uma comunidade internacional.O geógrafo Milton Santos cansava-se de dizer isto:” Ainda se constitui uma “aldeia global´”.Recordo-me do escândalo que causou na esquerda iluminista tradicional,a constatação de Foucault “ o homem morreu”.Numa aula disse o professor Roland Corbisier:” este homossexual é uma besta”,” morreu foi ele”.O que Foucault disse ,no entanto,é que o projeto de “ direitos humanos” da Revolução Francesa acabara ou estava por se fazer.E é verdade.
O que há são tratados  e convenções que apontam caminhos,mas  nada se sobrepõe às nações e enquanto não se constrói uma comunidade humana eficaz ,o real é a nação,o ponto de partida é ela.
E como harmonizar as nações só levando em consideração a questão do modo-de-produção?Tanto a direita como a esquerda cometem a mesma besteira.Vamos supor que se tente harmonizar um país liberal como os eua e a Arábia Saudita,apenas considerando a mediação da capacidade produtiva de ambos os povos.O crescimento econômico não vai mudar a vida das pessoas?Não vai alterar principalmente um país muçulmano?A mediação cultural não vai ser uma(eventual) barreira?
Admito que ,recuperando a concepção comunista,se todos os países pudessem ser imediatamente ricos,como o Kuwait e a Suíça,a mediação dos costumes ,da cultura,podia ficar em segundo plano,mas onde é possível usar esta comparação no mundo em que se vive?Milton Santos diz que não se pode considerar a História sem os condicionamentos geográficos.
O capitalismo não é contraditório,é  anárquico .E é o primeiro regime  histórico e político porque os erros do passado influem no futuro,no seu futuro;e a política local,regional influi nos seus descaminhos.
O capitalismo gera crescimento populacional desordenado,no afã de baixar os salários e aumentar o grau de exploração.O capitalismo é predatório,exigindo lucro imediato para seus investimentos;o capitalismo se expande,sem considerar as diferenças de cada país e região do globo.O capitalismo explora estas diferenças no intuito de prosperar.Então ele tem que ser controlado ,pelas instâncias pública,republicana,estatal e ... nacional .

É um falso problema opor a comunidade internacional às nações.