A II Internacional,criada depois do fracasso da
Comuna de Paris em 1871,por Marx e os marxistas e social-democratas da época,os
seguidores de Lassalle e de outros grupos no interior da Alemanha,dava
continuidade a uma visão racionalista-iluminista e otimista da
Europa,acreditando que a comunidade universal,quanto mais tomasse conhecimento
das leis do desenvolvimento da História e da sociedade,naturalmente conduziria
ao progresso tão desejado da humanidade.
Esta ideologia do progresso,como sabemos ,gerou a 1ª
Guerra Mundial.Mas não foi só esta catástrofe.Todo este racionalismo
cientificista gerou toda a violência do século XX,fato só previsto e percebido
por Wagner,Van Gogh e Nietzsche.
O marxismo,especialmente da II Internacional ,caiu
no mesmo buraco.Muito embora rompendo em grande parte com as concepções
revolucionárias de tomada de consciência,de Marx,intentou uma visão reformista
,apta a evitar as violências e
descaminhos que as revoluções engendram no final.
Com o processo de industrialização da Alemanha e a
sua unificação,neste ano mesmo de 1871,o governo monárquico e autoritário dos
junkers,em frente já de um partido marxista forte,buscou legitimação,oferecendo
uma proposta original e incipiente de estado previdenciário.A classe
operária,organizada naquele partido,para melhorar a sua condição,tendia a
aceitar a proposta e a social-democracia,para não perder o seu apoio mudou a
estratégia política,saindo da preparação para uma revolução e chegando a esta
concepção reformista de acumular forças e intensificar o movimento até que...o
socialismo e o comunismo se apresentem como realizados.
Foi Eduard Bernstein,um dos próceres da social-democracia
e da II Internacional(e amigo pessoal de Marx)que escreveu o livro que resume
esta teoria:” O socialismo evolucionário”,no qual está escrita a famosa frase”
o movimento é tudo,o objetivo é nada”.Esta
frase ,segundo Plekhanov,foi elaborada por Schultze-Gavernitz,mas teve
repercussão a partir de Bernstein.Isso,no
entanto,revela que ,no interior da II Internacional e da social-democracia,esta
discussão era quase permanente e este conceito quase consensual.
Esta concepção dá inicio à imensa discussão sobre o
caráter “ ampliado” do estado moderno,que passa por cima das visões do próprio
Marx(e do anarquismo):até 1871 as correntes comunistas ,socialistas e
anarquistas entendiam que o estado era mero comitê de assessoramento da
burguesia e que bastava tomá-lo para mudar este estado de coisas.
Agora com a participação cada vez maior da classe
operária no processo político esta idéia desapareceu.O chamado “ último Engels”
se encaminha para concordar com esta inevitabilidade.Os últimos escritos de
Engels dão conta de que a presença do operariado é cada vez mais imprescindível
e inarredável no processo de mudança da sociedade capitalista.É neste último
Engels,inclusive,que a idéia de uma inevitabilidade dos sistemas de
modos-de-produção surge,causando tantos problemas de interpetação posteriores.
Para Engels e
a II Internacional era necessário ter havido a escravidão para se chegar
ao socialismo,assertiva um pouco contraditória ao que os mesmos Marx e Engels
disseram nas cartas trocadas com os narodniks russos,” contra a idéia de uma
filosofia da História”.
O stalinismo é acusado de ser um continuador destas
concepções de inevitabilidade do socialismo e do comunismo da II
Internacional,mas isto é uma meia-verdade:a revolução russa deriva da tomada de
consciência,de um ato consciente,mas com a tomada do poder por Stalin o
discurso passou a ser o da progressiva chegada aos objetivos,a partir do
movimento social propriamente.
O que significa tudo isto(inter.).Para
Bernstein,que afirmava seguir o pensamento de Marx,o desenvolvimento próprio do
capitalismo engendra ,por suas próprias
leis,uma maioria de trabalhadores,cada vez maior.Na medida em que esta maioria
ganha direitos,participa do processo econômico,as condições da burguesia
prosperar se tornam menores,até ao ponto em que ela,como classe,é superada e
deixa de existir.Este é o significado da frase supradita “o movimento é tudo,o objetivo nada”,que
fundamenta,por sua vez, a idéia de “ democratizar o estado burguês”,em direção
ao socialismo.
O stalinismo expressa isto sim,mas
ocultadamente,Stálin prosseguia acreditando numa necessária revolução mundial
que rompesse o isolamento prejudicial da Rússia soviética.Havia uma conexão
entre Stálin e Trotsky,coisa que eu vou analisar em outro artigo.
No que nos concerne neste momento é constatar o
seguinte:de uma visão radical de tomada do estado ,a esquerda de inspiração
marxista se redirecionou para uma participação cada vez mais crescente no
estado burguês,o qual já não era tido como tão burguês assim.Neste sentido a
república burguesa se tornou parte do processo de construção do socialismo:há
uma república burguesa e outra socialista,que nasce e cresce dentro dele;a
idéia do público é também apreendido pelos radicais.Toda esta tradição evolui
para Gramsci e os seus seguidores mais recentes,como Poulantzas e Althusser,que
buscam conciliar a visão marxista com este estado moderno,” ampliado”.Mas a
verdade é que assiste razão a Luciano Gruppi ,quando ele diz que a idéia de “
cerco ao capitalismo”,constante de Gramsci, não é mais aceitável e possível.(“
O Conceito de Hegemonia em Gramsci”)
Muita gente pensa que o meu ponto de partida é a II
Internacional e isto é uma meia-verdade.Porque nunca acreditei que o
capitalismo se encaixasse “ naturalmente” no socialismo e no comunismo.Mesmo
uma estratégia reformista exige uma decisão política,um modo de fazer e se
relacionar com o capitalismo.
No meu pensamento as circunstâncias
históricas,políticas,os processos do imperialismo ,desmentem esta tendência
natural para o objetivo.Entendo mesmo que este erro favorece e afirma o capitalismo assim como enfraquece a luta contra
tendências reacionárias,o que confirme o método de Lênin.
O que eu digo é que a mediação consciente da mudança não é a
revolução,mas a nação.Não compreendo,porque no âmbito de toda esta discussão de
cem anos ,em que a forma política da burguesia é transmudada em favor do
socialismo,em que o estado é ampliado e também absorvido e em que o conceito de
público sofre idênticas alterações,a nação não passe por algo semelhante.
Aqueles que leram o meu primeiro livro de artigos
sobre o marxismo,sabem porque razão o marxismo rejeita a nação,mas é justamente
por isto que os seus descaminhos se deram.Aqui é preciso entender a
complexidade do problema:a visão ortodoxa do marxismo defende a transformação
do capitalismo como base para a utopia,mas o capitalismo não se manifesta da
mesma forma.Quando Stálin quis manter o
socialismo na Rússia(esperando o retorno da vaga revolucionária)parte dos socialistas e
notadamente os seguidores da II internacional ,preconizaram uma transição para
evitar a restauração cazarista e nacionalista .Estes socialistas
prosseguiam o pensamento de Bernstein,contra
a nação. Por isto eu me separo da II
Internacional:o capitalismo não é só um modo de produção,é uma formação
social,em que os valores culturais são cosntruidos não só no contexto da luta de classes,mas no da sua interação.Quando Bimarck propôs um acordo
econômico aos operários alemães ,se deu esta integração,se deu um procedimento
típico de reforma,a qual sustentou a estabilidade nacional do pais recém
unificado.Se fez uma transformação
reformista pacífica.
E,novamente,os que me leram naquele supradito
volume conhecem a minha posição diante da revolução comunista:eu destaquei um
trecho de “ A Ideologia Alemã” em que Marx ressaltava a necessidade de uma
revolução mundial que libertasse todos os trabalhadores e não alguns ,inseridos
e limitados pela fronteiras nacionais.Para ele não existe comunismo nacional,revolução nacional (termo criado pela direita,precursor
do fascismo,por Wagner[originalmente uma pessoa internacionalista e de
esquerda]).Esta questão é muito complexa também e eu vou abordá-la aqui em
próximo artigo,sobre a viabilidade de um comunismo nacional.
Contudo é preciso dizer que eu não sou
anti-internacionalista ou nacionalista,isto é um falso problema.A comunidade
universal de Kant iria se encaixar naturalmente,no entender dele,o que o faz
parte da concepção social-democrática da II internacional,mas a história
demonstrou a ingenuidade formalista de Kant e a ingenuidade materialista da tradição
marxista.São lados que não se interpenetram e eu já expliquei o motivo:a falsa
oposição entre as condições materiais de existência(as relações
econômico-sociais)e as idéias.
Não existe ainda uma comunidade internacional.O
geógrafo Milton Santos cansava-se de dizer isto:” Ainda se constitui uma “aldeia
global´”.Recordo-me do escândalo que causou na esquerda iluminista tradicional,a
constatação de Foucault “ o homem morreu”.Numa aula disse o professor Roland
Corbisier:” este homossexual é uma besta”,” morreu foi ele”.O que Foucault
disse ,no entanto,é que o projeto de “ direitos humanos” da Revolução Francesa
acabara ou estava por se fazer.E é verdade.
O que há são tratados e convenções que apontam caminhos,mas nada se sobrepõe às nações e enquanto não se
constrói uma comunidade humana eficaz ,o real é a nação,o ponto de partida é
ela.
E como harmonizar as nações só levando em
consideração a questão do modo-de-produção?Tanto a
direita como a esquerda cometem a mesma besteira.Vamos supor que se tente
harmonizar um país liberal como os eua e a Arábia Saudita,apenas considerando a
mediação da capacidade produtiva de ambos os povos.O crescimento econômico não
vai mudar a vida das pessoas?Não vai
alterar principalmente um país muçulmano?A
mediação cultural não vai ser uma(eventual) barreira?
Admito que ,recuperando a concepção comunista,se
todos os países pudessem ser imediatamente ricos,como o Kuwait e a Suíça,a
mediação dos costumes ,da cultura,podia ficar em segundo plano,mas onde é
possível usar esta comparação no mundo em que se vive?Milton Santos diz que não se pode
considerar a História sem os condicionamentos geográficos.
O capitalismo não é contraditório,é anárquico .E é o primeiro regime histórico e político porque os erros do
passado influem no futuro,no seu futuro;e a política local,regional influi nos
seus descaminhos.
O capitalismo gera crescimento populacional desordenado,no
afã de baixar os salários e aumentar o grau de exploração.O capitalismo é
predatório,exigindo lucro imediato para seus investimentos;o capitalismo se
expande,sem considerar as diferenças de cada país e região do globo.O
capitalismo explora estas diferenças no intuito de prosperar.Então ele tem que
ser controlado ,pelas instâncias pública,republicana,estatal
e ... nacional .
É um falso problema opor a comunidade internacional
às nações.
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