Os acontecimentos
recentes da política brasileira me tiraram tempo para continuar tratando de
assuntos referentes ao marxismo e à questão
social,que me interessa mais.Para retomar o “ fio de Ariadne” destas
reflexões sobre o marxismo,trato da Invasão da Tchecoeslováquia,que se “
comemora” neste ano.
Em 1956 Kruschev realizou o processo de “
desestalinização”.A Invasão da Tchecoeslováquia acabou com os razoáveis frutos
desta auto-crítica.Apesar dos crimes de Stalin a disposição do movimento em
reconhecê-los e a abertura subsequente ,o degelo
,infundiram certas esperanças de que o socialismo fosse capaz de se
renovar,incorporando a democracia como objetivo fundamental e incontrastável.
As mudanças democráticas propostas por Dubcek eram
uma continuidade e confirmação destes novos augúrios,mas na URSS,o governo
havia mudado:Kruschev foi retirado do poder pela burocracia stalinista que ele
nunca pode suprimir,dentro de seu processo de abertura.Burocracia liderada por
Brejnev.
Mesmo esta burocracia poderia se beneficiar
enormemente destes impulsos democráticos.Contudo os temia.
A crise de 68(talvez o ano do século)foi reprimida
pelo que se denominou depois de “ Doutrina Brejnev”.Por esta doutrina toda a
vez que o socialismo fosse ameaçado no leste as tropas do Pacto de Varsóvia
teriam o direito de intervir.
Os fatos são bem conhecidos,mas o que me interessa
é verificar as suas consequências .68 acabou com 56.68 foi o fim do comunismo,não
89.
A eventual confiança renovada no socialismo real
diluiu-se para sempre,na evidência de que dificilmente ele seria apto a
arregimentar massas para as suas idéias.
Para aprofundar estes temas eu escolhi analisar
algumas contradições deste socialismo,através da óptica de Roger Garaudy,um
comunista que já possuía um viés crítico,que aumentou com este
contexto,provocando reações repressivas aos seus protestos.
Garaudy publicou um livro “ Toda a Verdade”,mas
antes publicara outro,” A Grande Virada do Socialismo”,onde identificava
transformações na sociedade moderna,que deveriam ser compreendidas pelos
comunistas.
A crise de 68 não foi só um problema político
interno dos comunistas,mas representou a cristalização de mudanças que vinham
desde a 2ª Guerra:a sociedade de massa
afluente;a questão geracional;o novo papel do intelectual;o problema sexual
como decorrência da compreensão das contribuições de Freud,na década de 30.
É sobre esta base que Garaudy faz as suas
críticas,antes,durante e depois da Invasão.
Ele começa com estes elementos teóricos para
fundamentar a sua reação diante dos fatos e se defender diante das acusações.A
exigência de Moscou de alinhamento gerou repressões e até delações,algumas
dirigidas contra ele,inclusive acusando-o de ser “ cristão”,etc.
A primeira citação se dá na página 34 da edição
barsileira da época e corrobora com o consenso teórico a que me tenho referido
nos meus artigos há anos:
“ A primeira Revolução que abateu o capitalismo
(...)foi a(...) a revolução de outubro de 17(..).
(...)num país capitalista a ‘ produção pela
produção’ (...)decorre de seus próprios princípios(..)de uma economia cujo
motor é o lucro.
Isto não acontece nos países socialistas.(...)o
socialismo começou a ser construído em países atrasados.(...).eles tiveram que
realizar duas tarefas:construir o socialismo e superar o subdesenvolvimento.”
Isto contraria a teoria de Marx.Garaudy se esquece
de dizer que este é o viés leninista.Para Marx o socialismo decorria de uma
base industrial prévia,com uma classe operária forte.
O único país do leste industrial era precisamente a
Tchecoeslováquia.Mas também a França e os países capitalistas em que a classe
operária havia se organizado e crescido.
Garaudy critica o livro de Marcuse “Sociedade
Unidimensional”,no qual este último estabelece que a classe operária havia se
resignado ao capitalismo e não o revolucionado como preconizara Marx.Diante das
greves em Paris Garaudy se ri dos vaticínios de Marcuse e de sua nova “ classe”
revolucionária,os estudantes.
Mas há que se entender tudo isto de uma maneira
ainda mais profunda levando em consideração coisas estranhas a Marx.
Num aspecto ,no entanto ,há que concordar com Garaudy,citando-o:
“Marx não definiu a participação numa classe pelo meio de origem,mas pelo lugar que se ocupa no processo de produção(grifos
de Garaudy).Nenhum dos três critérios que ele fornece para definir um operário
refere-se ao meio de origem(p.29).
(..)nós dissemos e repetimos(Garaudy),com justa
razão,que em nossa época a ciência tornou-se uma força produtiva direta
.
Assim,continua Garaudy,(...)as classes têm nova
características:
1-Assim como no passado(os estudantes[grifo meu])-
e como os operários-(...)não possuem os meios de produção;
2-Mas são(...)como os operários,produtores de
mais-valia,fazendo parte(...)do “trabalhador coletivo” de que Marx falava nos
vols 1 e 2 de “ O Capital”;
3)Há (...)um terceiro critério:subjetivo,da
consciência de classe(Lukács[grifo meu]).Estas camadas intelectuais se
encontram(...)em condições favoráveis à
tomada de consciência(...)quanto às contradições do capitalismo.”
Isto significa que as classes médias são produtivas
também,na medida em que produzem conhecimentos.Tal devia ser explicado ao PT e
à esquerda brasileira...
O trabalho produtivo,capital variável (que acrescenta mais-valia),se define pela
capacidade de introduzir na produção novas qualidades e atributos.Eu penso que
no setor comercial e mesmo na burguesia isto acontece,mas,neste último caso,há
problemas,que eu tratarei em outro texto.
A luta ocorrida em 68 atendia mais a questões de
ordem cultural do que econômicas,como frisava Marx.Marx não tinha esta visão
moderna do papel das idéias.68 foi muito contra ele.
E a prática da classe operária,do tempo de Marx
até 68 ,autoriza Marcuse ,pois ela se
harmonizou com o capitalismo(e a classe burguesa)num reformismo sem muito
objetivo.Paris 68 foi uma exceção e em grande parte uma reação às
reinvindicações novas de uma sociedade nova,que os comunistas não
(re-)conheciam,porque recusavam,dentro de seu espirito dogmático.
Marcuse,um dos primeiros a denunciar o caráter
repressivo da URSS,se mantém no marxismo,que ,indiretamente(através de Lênin),o
fundamenta,por não ter se atualizado.A “
classe “ estudantil não tem condições ou legitimidade sozinha para a revolução
de Marx.
O que os aperários tchecos queriam era esta
harmonização supra-dita.Neste sentido ,do ponto de vista soviético ,eles tinham
razão em invadir,mas da perspectiva histórica da construção da utopia,foi um
desastre com efeitos retrogradativos que se sentem até hoje e se sentirá nos anos vindouros.
O que eu digo é que não havia motivo para
permanecer ligado à URSS,após a invasão.A dissensão China/URSS,cujo auge foi em
62,permitiu que a China se desenvolvesse livremente.
Mas os partidos ocidentais,que não tinham razão
nenhuma para se manter presos à União Soviética,no mínimo adotaram uma posição
ambígua,como foi o caso do Partido Comunista Italiano.
Veja o leitor este vídeo da participação de
Berlinguer na Conferência dos Partidos comunistas na URSS,em 1977.
Em muitos documentários se fala do modo frio como o
PCI e seu líder foram recebidos na “ Meca do socialismo”,mas a verdade é que
não procedia mais fazer esta conexão perturbadora.
Em 1972 ,ao substituir na secretaria geral do PCI
Luigi Longo,penso que Berlinguer,que já via a experiência da URSS como
esgotada,deveria ter rompido com ela(como a
China),o que ,pelo menos ,teria salvado esta tradição de esquerda,quem
sabe até aos dias de hoje.Não no sentido do comunismo,mas no da luta por uma
utopia possível.
Vejam este vídeo da posse de Berlinguer
E este outro sobre as possíveis relações entre
Craxi e Berlinguer,PCI e PSI
Talvez se uma postura radical tivesse sido tomada o
“ Compromisso Histórico”,tivesse se realizado,porque estaria blindado com o
apoio da maioria da população,impedindo(talvez, repito)a ação da Brigadas
Vermelhas.
Assim ,aquilo que Togliatti separou no plebsicito
de 1953(divergência entre socialistas e comunistas quanto à precedência da
religião católica na Itália),Berlinguer
uniria em 72:os socialistas e comunistas.
É lógico que
a razão de recusar tudo isto é o pragmatismo politico:não romper com as
bases stalinistas do partido,mas isso ,a meu ver,custou caro(menos para a
China).
Neste mesmo livro citado de Garaudy o autor inclui
manifestações documentais de outros líderes comunistas,como a do stalinista
espanhol Santiago Carrillo.Numa alocução intitulada “ Não existe Meca do
Socialismo”,feita em Moscou,ele confirma o policentrismo de Togliatti,mas na
prática as ligações ,pragmáticas,com a URSS,comprometeram o eurocomunismo,que
ele fundava agora.
Todo militante eurocomunista da década de 70 e 80
defendia a democracia,mas defendia a URSS também,numa contradição(mais
uma)tipicamente leninista(“ A Doença Infantil”)que só afastava possíveis
seguidores,acrescentando algo mais ao revérbero negativo de 68 em Praga.O
eurocomunismo nunca convenceu ninguém de que a via ocidental era a única
admitida,mas que era a adequada às exigências ocidentais.Isto colocava os
partidos comunistas do ocidente numa situação igual ao que sempre fora:usar a democracia
para depois virar a mesa.
E quando Carrillo dizia não haver Meca do
socialismo,o dizia para apoiar regimes mais do que semelhantes,como o da
Romênia,de Ceausescu .
A direita na época,principalmente na França
pós-68,jogou sempre no sonho(dela) de dividir o movimento comunista,como
condição de legitimação dos partidos ocidentais,que fechavam os olhos aos crimes
da URSS.Mas pelo mesmo pragmatismo e por esta “ necessidade de unidade”,ninguém
rompeu com a URSS.Não somente estes critérios tiveram um papel nesta
decisão,mas a vaidade dos líderes ,que sabiam que se dessem um passo atrás
perderiam os seus lugares,como o nefando Marchais.Neste caso não seguiram a
lição de Lênin “ um passo atrás dois à frente”.
Por estas razões entendo que o movimento comunista
se atrapalhou numa concepção internacionalista,que não levava em conta as
diferenças nacionais,procurando impor ditatorialmente(Lênin de novo)um modelo
socialista,de cima para baixo,sem considerar as reinvindicações democráticas
destes povos.
Guevara,antes de morrer na Bolivia(em Parga),acusou
a URSS( e a China)de serem nacionalistas e chauvinistas.E em determinados trechos
de Garaudy,vemos que era verdade e como
a hipocrisa tinha tomado conta do movimento comunista:as nações dos outros
podiam ser invadidas,mas os interesses da URSS não se construíam por bases
ideológicas ou morais.
O Partido Comunista Espanhol acusou os poloneses de
ajudarem o governo de Franco.Franco usou o carvão importado daquele país “
socialista” para terminar com uma greve nas Astúrias.Os operários pediram aos
operários poloneses que boicotassem esta importação,mas esta aristocracia(que
faria o solidariedade depois)não fez nada.(pág.196).
A manutenção do critério nacional ,sob o
internacionalismo, é inevitável e ,muito embora existam todas as justificativas
para o intercâmbio entre países comunistas e capitalistas,tal favorece mais a
estes do que ao socialismo.
Garaudy cita na pág. 199:
“É nomal que os países socialistas mantenham
intercâmbios(...).Mas como sublinhava Fidel Castro em seu discurso na OLAS de
10 de agosto de 67,existe uma diferença fundamental entre relações comerciais e ajuda financeira,científica
e técnica (...)”.
Na minha opinião não tem diferença nenhuma:o
socialismo fica mais dependente e tal situação só prova o desvio da teoria de
Marx,em que não é admitida uma revolução nacional.O problema do stalinismo e da
revolução na URSS prossegue.
É daqui que eu parto para elaborar as minhas concepções
e informar os militantes ,que repetem,por ignorância,estes erros.Caio Prado
Júnior,em “ A Revolução Brasileira” se aproximou daquilo que eu acho certo:não
adianta só analisar o capitalismo brasileiro(bem como qualquer um),mas a formação social e cultural do país e a revolução internacionalista tem que
incluir a mediação nacional e construir uma mediação internacional justa ,na
relação com os mais diferentes lugares do mundo.É assim que entendo o “ daqui por diante”(utopia[que começa no
tempo]{sempre}).
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