quinta-feira, 13 de dezembro de 2018

“Comemorações” de 68,a Invasão da tchecoeslováquia.


Os acontecimentos recentes da política brasileira me tiraram tempo para continuar tratando de assuntos referentes ao marxismo e à questão social,que me interessa mais.Para retomar o “ fio de Ariadne” destas reflexões sobre o marxismo,trato da Invasão da Tchecoeslováquia,que se “ comemora” neste ano.
Em 1956 Kruschev realizou o processo de “ desestalinização”.A Invasão da Tchecoeslováquia acabou com os razoáveis frutos desta auto-crítica.Apesar dos crimes de Stalin a disposição do movimento em reconhecê-los e a abertura subsequente ,o degelo ,infundiram certas esperanças de que o socialismo fosse capaz de se renovar,incorporando a democracia como objetivo fundamental e incontrastável.
As mudanças democráticas propostas por Dubcek eram uma continuidade e confirmação destes novos augúrios,mas na URSS,o governo havia mudado:Kruschev foi retirado do poder pela burocracia stalinista que ele nunca pode suprimir,dentro de seu processo de abertura.Burocracia liderada por Brejnev.
Mesmo esta burocracia poderia se beneficiar enormemente destes impulsos democráticos.Contudo os temia.
A crise de 68(talvez o ano do século)foi reprimida pelo que se denominou depois de “ Doutrina Brejnev”.Por esta doutrina toda a vez que o socialismo fosse ameaçado no leste as tropas do Pacto de Varsóvia teriam o direito de intervir.
Os fatos são bem conhecidos,mas o que me interessa é verificar as suas consequências .68 acabou com 56.68 foi o fim do comunismo,não 89.
A eventual confiança renovada no socialismo real diluiu-se para sempre,na evidência de que dificilmente ele seria apto a arregimentar massas para as suas idéias.
Para aprofundar estes temas eu escolhi analisar algumas contradições deste socialismo,através da óptica de Roger Garaudy,um comunista que já possuía um viés crítico,que aumentou com este contexto,provocando reações repressivas aos seus protestos.
Garaudy publicou um livro “ Toda a Verdade”,mas antes publicara outro,” A Grande Virada do Socialismo”,onde identificava transformações na sociedade moderna,que deveriam ser compreendidas pelos comunistas.
A crise de 68 não foi só um problema político interno dos comunistas,mas representou a cristalização de mudanças que vinham desde a  2ª Guerra:a sociedade de massa afluente;a questão geracional;o novo papel do intelectual;o problema sexual como decorrência da compreensão das contribuições de  Freud,na década de 30.
É sobre esta base que Garaudy faz as suas críticas,antes,durante e depois da Invasão.
Ele começa com estes elementos teóricos para fundamentar a sua reação diante dos fatos e se defender diante das acusações.A exigência de Moscou de alinhamento gerou repressões e até delações,algumas dirigidas contra ele,inclusive acusando-o de ser “ cristão”,etc.
A primeira citação se dá na página 34 da edição barsileira da época e corrobora com o consenso teórico a que me tenho referido nos meus artigos há anos:
“ A primeira Revolução que abateu o capitalismo (...)foi a(...) a revolução de outubro de 17(..).
(...)num país capitalista a ‘ produção pela produção’ (...)decorre de seus próprios princípios(..)de uma economia cujo motor é o lucro.
Isto não acontece nos países socialistas.(...)o socialismo começou a ser construído em países atrasados.(...).eles tiveram que realizar duas tarefas:construir o socialismo e superar o subdesenvolvimento.”
Isto contraria a teoria de Marx.Garaudy se esquece de dizer que este é o viés leninista.Para Marx o socialismo decorria de uma base industrial prévia,com uma classe operária forte.
O único país do leste industrial era precisamente a Tchecoeslováquia.Mas também a França e os países capitalistas em que a classe operária havia se organizado e crescido.
Garaudy critica o livro de Marcuse “Sociedade Unidimensional”,no qual este último estabelece que a classe operária havia se resignado ao capitalismo e não o revolucionado como preconizara Marx.Diante das greves em Paris Garaudy se ri dos vaticínios de Marcuse e de sua nova “ classe” revolucionária,os estudantes.
Mas há que se entender tudo isto de uma maneira ainda mais profunda levando em consideração coisas estranhas a Marx.
Num aspecto ,no entanto ,há que concordar com Garaudy,citando-o:
“Marx não definiu a participação numa classe  pelo meio de origem,mas pelo lugar que se ocupa no processo de produção(grifos de Garaudy).Nenhum dos três critérios que ele fornece para definir um operário refere-se ao meio de origem(p.29).
(..)nós dissemos e repetimos(Garaudy),com justa razão,que em nossa época  a ciência tornou-se uma força produtiva direta .
Assim,continua Garaudy,(...)as classes têm nova características:
1-Assim como no passado(os estudantes[grifo meu])- e como os operários-(...)não possuem os meios de produção;
2-Mas são(...)como os operários,produtores de mais-valia,fazendo parte(...)do “trabalhador coletivo” de que Marx falava nos vols 1 e 2 de “ O Capital”;
3)Há (...)um terceiro critério:subjetivo,da consciência de classe(Lukács[grifo meu]).Estas camadas intelectuais se encontram(...)em condições favoráveis  à tomada de consciência(...)quanto às contradições do capitalismo.”
Isto significa que as classes médias são produtivas também,na medida em que produzem conhecimentos.Tal devia ser explicado ao PT e à esquerda brasileira...
O trabalho produtivo,capital variável (que acrescenta mais-valia),se define pela capacidade de introduzir na produção novas qualidades e atributos.Eu penso que no setor comercial e mesmo na burguesia isto acontece,mas,neste último caso,há problemas,que eu tratarei em outro texto.
A luta ocorrida em 68 atendia mais a questões de ordem cultural do que econômicas,como frisava Marx.Marx não tinha esta visão moderna do papel das idéias.68 foi muito contra ele.
E a prática da classe operária,do tempo de Marx até  68 ,autoriza Marcuse ,pois ela se harmonizou com o capitalismo(e a classe burguesa)num reformismo sem muito objetivo.Paris 68 foi uma exceção e em grande parte uma reação às reinvindicações novas de uma sociedade nova,que os comunistas não (re-)conheciam,porque recusavam,dentro de seu espirito dogmático.
Marcuse,um dos primeiros a denunciar o caráter repressivo da URSS,se mantém no marxismo,que ,indiretamente(através de Lênin),o fundamenta,por não ter se atualizado.A  “ classe “ estudantil não tem condições ou legitimidade sozinha para a revolução de Marx.
O que os aperários tchecos queriam era esta harmonização supra-dita.Neste sentido ,do ponto de vista soviético ,eles tinham razão em invadir,mas da perspectiva histórica da construção da utopia,foi um desastre com efeitos retrogradativos que se sentem até hoje e se  sentirá nos anos vindouros.
O que eu digo é que não havia motivo para permanecer ligado à URSS,após a invasão.A dissensão China/URSS,cujo auge foi em 62,permitiu que a China se desenvolvesse livremente.
Mas os partidos ocidentais,que não tinham razão nenhuma para se manter presos à União Soviética,no mínimo adotaram uma posição ambígua,como foi o caso do Partido Comunista Italiano.
Veja o leitor este vídeo da participação de Berlinguer na Conferência dos Partidos comunistas na URSS,em 1977.
Em muitos documentários se fala do modo frio como o PCI e seu líder foram recebidos na “ Meca do socialismo”,mas a verdade é que não procedia mais fazer esta conexão perturbadora.
Em 1972 ,ao substituir na secretaria geral do PCI Luigi Longo,penso que Berlinguer,que já via a experiência da URSS como esgotada,deveria ter rompido com ela(como a  China),o que ,pelo menos ,teria salvado esta tradição de esquerda,quem sabe até aos dias de hoje.Não no sentido do comunismo,mas no da luta por uma utopia possível.
Vejam este vídeo da posse de Berlinguer
E este outro sobre as possíveis relações entre Craxi e Berlinguer,PCI e PSI
Talvez se uma postura radical tivesse sido tomada o “ Compromisso Histórico”,tivesse se realizado,porque estaria blindado com o apoio da maioria da população,impedindo(talvez, repito)a ação da Brigadas Vermelhas.
Assim ,aquilo que Togliatti separou no plebsicito de 1953(divergência entre socialistas e comunistas quanto à precedência da religião católica na Itália),Berlinguer  uniria em 72:os socialistas e comunistas.
É lógico que  a razão de recusar tudo isto é o pragmatismo politico:não romper com as bases stalinistas do partido,mas isso ,a meu ver,custou caro(menos para a China).
Neste mesmo livro citado de Garaudy o autor inclui manifestações documentais de outros líderes comunistas,como a do stalinista espanhol Santiago Carrillo.Numa alocução intitulada “ Não existe Meca do Socialismo”,feita em Moscou,ele confirma o policentrismo de Togliatti,mas na prática as ligações ,pragmáticas,com a URSS,comprometeram o eurocomunismo,que ele fundava agora.
Todo militante eurocomunista da década de 70 e 80 defendia a democracia,mas defendia a URSS também,numa contradição(mais uma)tipicamente leninista(“ A Doença Infantil”)que só afastava possíveis seguidores,acrescentando algo mais ao revérbero negativo de 68 em Praga.O eurocomunismo nunca convenceu ninguém de que a via ocidental era a única admitida,mas que era a adequada às exigências ocidentais.Isto colocava os partidos comunistas do ocidente numa situação  igual ao que sempre fora:usar a democracia para depois virar a mesa.
E quando Carrillo dizia não haver Meca do socialismo,o dizia para apoiar regimes mais do que semelhantes,como o da Romênia,de Ceausescu .
A direita na época,principalmente na França pós-68,jogou sempre no sonho(dela) de dividir o movimento comunista,como condição de legitimação dos partidos ocidentais,que fechavam os olhos aos crimes da URSS.Mas pelo mesmo pragmatismo e por esta “ necessidade de unidade”,ninguém rompeu com a URSS.Não somente estes critérios tiveram um papel nesta decisão,mas a vaidade dos líderes ,que sabiam que se dessem um passo atrás perderiam os seus lugares,como o nefando Marchais.Neste caso não seguiram a lição de Lênin “ um passo atrás dois à frente”.
Por estas razões entendo que o movimento comunista se atrapalhou numa concepção internacionalista,que não levava em conta as diferenças nacionais,procurando impor ditatorialmente(Lênin de novo)um modelo socialista,de cima para baixo,sem considerar as reinvindicações democráticas destes povos.
Guevara,antes de morrer na Bolivia(em Parga),acusou a URSS( e a China)de serem nacionalistas e chauvinistas.E em determinados trechos de Garaudy,vemos que  era verdade e como a hipocrisa tinha tomado conta do movimento comunista:as nações dos outros podiam ser invadidas,mas os interesses da URSS não se construíam por bases ideológicas ou morais.
O Partido Comunista Espanhol acusou os poloneses de ajudarem o governo de Franco.Franco usou o carvão importado daquele país “ socialista” para terminar com uma greve nas Astúrias.Os operários pediram aos operários poloneses que boicotassem esta importação,mas esta aristocracia(que faria o solidariedade depois)não fez nada.(pág.196).
A manutenção do critério nacional ,sob o internacionalismo, é inevitável e ,muito embora existam todas as justificativas para o intercâmbio entre países comunistas e capitalistas,tal favorece mais a estes do que ao socialismo.
Garaudy cita na pág. 199:
“É nomal que os países socialistas mantenham intercâmbios(...).Mas como sublinhava Fidel Castro em seu discurso na OLAS de 10 de agosto de 67,existe uma diferença fundamental entre  relações comerciais  e ajuda financeira,científica e técnica (...)”.
Na minha opinião não tem diferença nenhuma:o socialismo fica mais dependente e tal situação só prova o desvio da teoria de Marx,em que não é admitida uma revolução nacional.O problema do stalinismo e da revolução na URSS prossegue.
É daqui que eu parto para elaborar as minhas concepções e informar os militantes ,que repetem,por ignorância,estes erros.Caio Prado Júnior,em “ A Revolução Brasileira” se aproximou daquilo que eu acho certo:não adianta só analisar o capitalismo brasileiro(bem como qualquer um),mas a  formação social e cultural do país  e a revolução internacionalista tem que incluir a mediação nacional e construir uma mediação internacional justa ,na relação com os mais diferentes lugares do mundo.É assim que entendo  o “ daqui por diante”(utopia[que começa no tempo]{sempre}).



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