sexta-feira, 7 de agosto de 2020

Coletti e o fim dos anos 70

 

Continuando a analisar os efeitos da invasão da Tchecoeslováquia,retorno à leituras essenciais de Coletti em seu livro impactante “ Ultrapassando o Marxismo”.Impactante para muitos militantes como eu no inicio dos anos 80 ,que considerava ainda o socialismo inquebrantável e fadado ao sucesso.Na capa da tradução brasileira uma esfumaçada foice o martelo anunciavam o que viria depois,mas naquele momento isto era impensável.

Devo lembrar ao leitor o que disse no texto sobre a invasão da Tchecoeslováquia:ela acabou com os possíveis e esperados bons efeitos eventuais da desestalinização.Certo ,em nome do socialismo e do comunismo crimes ainda maiores do que os do fascismo foram cometidos,mas os (nós)comunistas reconhecemos e queremos superar este problema e criar uma alternativa ,baseada no marxismo,de uma via democrática e não violenta do socialismo e do comunismo.

Num dos artigos finais de Colletti,no texto citado,que se intitula “ crise do marxismo e dissensão soviética” o autor resume as consequencias desta pretensão de renovação e lembra que já desde 1931,com austro-marxistas como Korsch,a crise do marxismo já prenunciava a impossbilidade da alternativa.Ele cita:

Coletti faz os seus comentários,mas eu acrescento aqui uma coisa que ele diz no âmbito do livro,mas não neste passo:em última análise ele afirma aquilo que já estava potencialmente sendo atribuido a Marx e Engels desde o século XIX,após a publicação de O Capital,ou seja,de que a obsessão economicista (e cientificista)de Marx criava as condições para transformar esta ideia num modelo politico autoritário,que foi o que aconteceu.

A falta de mediações politicas e culturais no pensamento de Marx facilitou as coisas para esta perversão.Ou melhor, permitiu que a perversão já contida no ovo eclodisse.A criança já era um terato,um aborto.Porque não se adequava com o real.

Eu não tenho dúvida de que,como todos nós,Marx estaria em 1917,mas seria obrigatório que se desligasse da revolução russa em 1928,pelo fato de que neste ano ela terminou.Isto porque na abordagem metodológica e científica de Marx ele supostamente sempre deixou em aberto possibilidades de uma adaptação humanística de sua concepção,que revolução russa sepultou.Mas é discutível se estas possibilidades o eram realmente.

Um caso elucidativo é o do anti-humanismo teórico,extraido por Althusser,que virá depois aqui participar do nosso debate:Marx propõe no Capital que pelo concreto de pensamento há que acompanhar o movimento(dialético) constante e real,dos trabalhadores,dos homens reais individualmente considerados e reunidos,o que para Althusser comprova a despreocupação de Marx com um conceito geral de “humanidade”,própria segundo Althusser ,do idealismo(fixe bem o leitor esta palavra,ela vai voltar aí).Mas não há esta prova de que Marx autorizasse esta visão.Althusser procura nesta interpretação de Marx exatamente novas bases para um alternativa ,a partir dos textos fundamentais.

O fato é que Althusser confirma que a tentativa de renovação com base nos textos só degringola,porque estas lacunas de Marx,estas possibilidades não preenchidas nunca e quiçá não preenchíveis,decretam o que se disse acima da criança deformada.E mais do que isto,a inadequação do pensamento de Marx com o real,causado pelo economicismo,torna-o,como eu já falei em artigos anteriores antiquíssimos,um idealista como outro qualquer.Estas possibilidades,buscadas pelos epigonos não o eram de fato.Sá impossíveis de adaptar aos textos.

A sua oposição da ideologia(consciência falsa)diante da ciência(consciência verdadeira)distorce o real na medida em que a ideologia,mesmo falsa,pode ser verdadeira para o sujeito(cognoscente),categoria filosófica que Marx deixou de lado subsumida nas suas categorizações metodológicas,dedutivo-racionais(Aristóteles) e dialéticas(Hegel).Porque não é a ciência que desvela as condições materiais de existência,mas a prática e a prática não é só cientifica ou cientificizável,mas existencial,sem obrigatória relação com as categorias.Esta é uma contradição simplesmente escandalosa mas que expõe o cientificismo de Marx e sua datação.

As razões disto estão na referida concepção de Marx sobre ideologia e na questão da dalética.Tratarei disto no próximo artigo