domingo, 30 de julho de 2017

Marx na Batalha das Idéias ou Marx e Kant



Tanto Marx quanto Nietzsche eram críticos da sociedade em que viviam.Como todo crítico ele depende desta realidade para viver.Eu já disse muitas vezes que o marxismo diagnostica bem os males evidentes do capitalismo,mas na hora de propor uma solução,fica,não digo no Tati bitati,mas na especulação.Nietzsche ,também já aludi a isto,é um grande critico do moralismo,da metafísica,mas o seu “ projeto” filosófico,Comte diria “ positivo”,não é realizável.
À propósito de Nietzsche,nós podemos fazer uma analogia entre ele e Marx:ambos defenderam uma ruptura radical daquilo que já apodrecia no Ocidente, a “ Metafísica” .Na verdade,quando Marx afirma no “ Manifesto Comunista”, “ Tudo o que é sólido desmancha no ar”,está cristalizando a constatação sobre uma época,que acabou com o advento da Revolução Francesa e coma Indústria,que pareciam anunciar(como aconteceu de fato)uma “ Era das Revoluções”.
Revolução é ruptura com o passado.É diferente de pura revolta ,que como a etimologia da palavra diz,é um retorno ao passado.
A palavra revolução adquiriu um papel decisivo com a “ Revolução Copernicana em Filosofia” de Kant,que refletia no pensamento o impacto da mudança gnosiológica criada pelas contribuições de Copérnico.Estes dois movimentos cresceram no século XVIII e ajudaram na eclosão da Revolução como conceito e prática.
Revolução é deixar o passado para trás.Mas isto é possível?Será que os ingleses têm razão ao dizer que não há como romper com a experiência contínua dos povos?
Depois de duas revoluções que não ofereceram resposta aos anseios humanos,a já citada acima e a revolução russa,tendo a pensar que esta última pergunta deve ser respondida  positivamente.
Conheci um autor que me foi apresentado na especialização em filosofia ,uma vez,cujo nome não lembro,que afirmava que toda a ruptura só se dá no plano da psicologia(ego)humana.
Mas não é preciso lembrá-lo agora,pois há um outro importante texto de Kant,” O conflito das faculdades”,sobre os descaminhos da Revolução Francesa,que o filósofo alemão acompanhava com vivo interesse,que nos ajuda a entender do que queremos tratar aqui.
Basicamente o núcleo central deste texto mostra que todos o símbolos criados pela Revolução Francesa,bem como a sua reiteração,calcados na República romana(Marx tratou disto[falarei em outro artigo]),existem para cumprir um papel rememorativum,de relembração dos seus objetivos.
Mas isto é uma exigência,e isto foi notado muito depois por Tocqueville,quando a Revolução(também é uma característica comum a todas),desvirtua  o  seu processo político  não obtendo  legitimidade no povo e nas massas.
Tocqueville demonstrou que todas as revoluções(pelo menos aquela que ele conhecia,a de 1789)surgem em países divididos profundamente,em partidos e grupos sociais,classes(ele era  liberal)e o seu maior problema é conseguir homogeneidade social para progredir e cumprir sua finalidade histórica.Não é outra a razão pela qual a Revolução Francesa deságua em Napoleão,em uma solução militar.
A leitura que Marx faz na “ Ideologia Alemã” dos filósofos,Lessing,Kant,da Auflkarung,é uma leitura parcial,não profissional,movida mais por convicções pessoais e critérios estabelecidos diante da crítica à metafísica,do que por um estudo completo deste movimento.
Especialmente no que tange a Kant,o que vemos neste texto de juventude,é uma preocupação da parte dele de ressaltar  a desconexão do mundo real de seu pensamento.Ele não chega a chamá-lo de ideólogo,mas de idealista,no sentido de que interpreta o mundo sem saber como ele é.
Ocorre que o pensamento faz parte do mundo.Costuma-se dizer aos filhos que precisam sair de casa e ir para o mundo,porque esta é a finalidade educativa da família,mas a família também faz parte dele e os filhos nunca a abandonam psicologicamente,sendo ela um fenômeno inarredável.
Descobrir a origem material de um pensamento não é a única questão a ele atinente.E a relação entre o mundo real e o pensamento não é direta ,mas complexamente cheia de desvios.
Para o Sujeito pensante,cognoscente, não é necessário saber esta origem para elaborar pensamento,conhecimento,filosofia.Os objetivos de Kant são maiores do que a análise de Marx e ele,como Engels ou Lênin(que o seguiram no erro)não compreendeu as relações difíceis entre passado e presente,apostando só na ruptura,num conceito genérico de ruptura.
Eu já disse num artigo que Nietzsche critica toda a metafísica,mas sem a “liberação” da linguagem que Kant promove,a sua prosa dançarina não existiria.
Da mesma forma se pode fazer uma crítica em face de Marx.Acaso a idéia do comunismo não é a de uma “ comunidade universal” de indivíduos concretos vivos,reais,produtivos e solidários?Quem criou a chamada comunidade universal de direitos humanos?Kant.
Marx atacou o formalismo kantiano,o não reconhecimento das desigualdades sociais,mas a base de sua diatribe é algo que está antes dele e que se mantém,porque Marx não exclui dos direitos humanos universais a questão social.Lamentavelmente os seguidores de Marx,induzidos por ele a não respeitar esta base,entenderam que as revoluções são mais efetivas e legitimas do que o direito e cometeram crimes,por submeter tudo à vontade.Kant dizia:” Não há liberdade sem direito(norma)”.
Marx é um acréscimo à comunidade universal de Kant,não uma sua negação.
Então,na relação coma metafísica,com o passado,não há ruptura total,mas pensamental,psicológica,axiológica,ficando a experiência como um elo de ligação,uma base essencial,mesmo e fundamentalmente  nas “ condições materiais de existência”.
Marx dá a impressão de ser o filho que esquece de que família veio,mas esta ,como o passado, é inarredável.
As revoluções não são só como Saturno,que devora os filhos,elas são a repulsa da “ família”,da origem e como tais perdem inevitavelmente a legitimidade,buscando fundamento em ideologias,estas sim idealistas e apartadas do real.Marx era o verdadeiro idealista,era ideólogo também e só não publicou,como devia,” A ideologia Alemã”,porque não quis reconhecer ou não soube,esta ligação com o passado.
No “ 18 Brumário” ele constrói uma frase parecida com a de Comte,sobre os “mortos”:” a força de todas as gerações do passado oprime como um pesadelo o cérebro dos vivos”obrigando a estes últimos a solucionar os problemas deixados por eles,mas esta relação não é tão monista ,única,reflexológica,assim.Ela é mais rica de mediações,as quais analisarei em artigo próximo.
A frase de Comte  é “ cada vez mais os vivos são governados pelos mortos”,que o Marechal Rondon recitou no leito de morte,conforme relato de Darcy Ribeiro.Ambos os autores pecam pelo determinismo e pela ilusão,típica do século XIX,de que a ciência rompeu inteiramente com o passado.Não foi(é)bem assim não.