Tanto Marx
quanto Nietzsche eram críticos da sociedade em que viviam.Como todo crítico ele
depende desta realidade para viver.Eu já disse muitas vezes que o marxismo
diagnostica bem os males evidentes do capitalismo,mas na hora de propor uma
solução,fica,não digo no Tati bitati,mas na especulação.Nietzsche ,também já
aludi a isto,é um grande critico do moralismo,da metafísica,mas o seu “
projeto” filosófico,Comte diria “ positivo”,não é realizável.
À propósito de
Nietzsche,nós podemos fazer uma analogia entre ele e Marx:ambos defenderam uma
ruptura radical daquilo que já apodrecia no Ocidente, a “ Metafísica” .Na
verdade,quando Marx afirma no “ Manifesto Comunista”, “ Tudo o que é sólido
desmancha no ar”,está cristalizando a constatação sobre uma época,que acabou
com o advento da Revolução Francesa e coma Indústria,que pareciam anunciar(como
aconteceu de fato)uma “ Era das Revoluções”.
Revolução é
ruptura com o passado.É diferente de pura revolta ,que como a etimologia da
palavra diz,é um retorno ao passado.
A palavra
revolução adquiriu um papel decisivo com a “ Revolução Copernicana em
Filosofia” de Kant,que refletia no pensamento o impacto da mudança gnosiológica
criada pelas contribuições de Copérnico.Estes dois movimentos cresceram no
século XVIII e ajudaram na eclosão da Revolução como conceito e prática.
Revolução é
deixar o passado para trás.Mas isto é possível?Será que os ingleses têm razão
ao dizer que não há como romper com a experiência contínua dos povos?
Depois de duas
revoluções que não ofereceram resposta aos anseios humanos,a já citada acima e
a revolução russa,tendo a pensar que esta última pergunta deve ser
respondida positivamente.
Conheci um autor
que me foi apresentado na especialização em filosofia ,uma vez,cujo nome não
lembro,que afirmava que toda a ruptura só se dá no plano da
psicologia(ego)humana.
Mas não é
preciso lembrá-lo agora,pois há um outro importante texto de Kant,” O conflito
das faculdades”,sobre os descaminhos da Revolução Francesa,que o filósofo
alemão acompanhava com vivo interesse,que nos ajuda a entender do que queremos
tratar aqui.
Basicamente o
núcleo central deste texto mostra que todos o símbolos criados pela Revolução Francesa,bem
como a sua reiteração,calcados na República romana(Marx tratou disto[falarei em
outro artigo]),existem para cumprir um papel rememorativum,de relembração dos
seus objetivos.
Mas isto é uma
exigência,e isto foi notado muito depois por Tocqueville,quando a
Revolução(também é uma característica comum a todas),desvirtua o seu processo
político não obtendo legitimidade no povo e nas massas.
Tocqueville
demonstrou que todas as revoluções(pelo menos aquela que ele conhecia,a de
1789)surgem em países divididos profundamente,em partidos e grupos
sociais,classes(ele era liberal)e o seu
maior problema é conseguir homogeneidade social para progredir e cumprir sua
finalidade histórica.Não é outra a razão pela qual a Revolução Francesa deságua
em Napoleão,em uma solução militar.
A leitura que
Marx faz na “ Ideologia Alemã” dos filósofos,Lessing,Kant,da Auflkarung,é uma
leitura parcial,não profissional,movida mais por convicções pessoais e
critérios estabelecidos diante da crítica à metafísica,do que por um estudo
completo deste movimento.
Especialmente no
que tange a Kant,o que vemos neste texto de juventude,é uma preocupação da
parte dele de ressaltar a desconexão do
mundo real de seu pensamento.Ele não chega a chamá-lo de ideólogo,mas de
idealista,no sentido de que interpreta o mundo sem saber como ele é.
Ocorre que o
pensamento faz parte do mundo.Costuma-se dizer aos filhos que precisam sair de
casa e ir para o mundo,porque esta é a finalidade educativa da família,mas a
família também faz parte dele e os filhos nunca a abandonam
psicologicamente,sendo ela um fenômeno inarredável.
Descobrir a
origem material de um pensamento não é a única questão a ele atinente.E a
relação entre o mundo real e o pensamento não é direta ,mas complexamente cheia
de desvios.
Para o Sujeito
pensante,cognoscente, não é necessário saber esta origem para elaborar
pensamento,conhecimento,filosofia.Os objetivos de Kant são maiores do que a
análise de Marx e ele,como Engels ou Lênin(que o seguiram no erro)não
compreendeu as relações difíceis entre passado e presente,apostando só na
ruptura,num conceito genérico de ruptura.
Eu já disse num
artigo que Nietzsche critica toda a metafísica,mas sem a “liberação” da
linguagem que Kant promove,a sua prosa dançarina não existiria.
Da mesma forma
se pode fazer uma crítica em face de Marx.Acaso a idéia do comunismo não é a de
uma “ comunidade universal” de indivíduos concretos vivos,reais,produtivos e
solidários?Quem criou a chamada comunidade universal de direitos humanos?Kant.
Marx atacou o
formalismo kantiano,o não reconhecimento das desigualdades sociais,mas a base
de sua diatribe é algo que está antes dele e que se mantém,porque Marx não
exclui dos direitos humanos universais a questão social.Lamentavelmente os
seguidores de Marx,induzidos por ele a não respeitar esta base,entenderam que
as revoluções são mais efetivas e legitimas do que o direito e cometeram
crimes,por submeter tudo à vontade.Kant dizia:” Não há liberdade sem direito(norma)”.
Marx é um
acréscimo à comunidade universal de Kant,não uma sua negação.
Então,na relação
coma metafísica,com o passado,não há ruptura total,mas pensamental,psicológica,axiológica,ficando
a experiência como um elo de ligação,uma base essencial,mesmo e fundamentalmente
nas “ condições materiais de existência”.
Marx dá a
impressão de ser o filho que esquece de que família veio,mas esta ,como o
passado, é inarredável.
As revoluções
não são só como Saturno,que devora os filhos,elas são a repulsa da “ família”,da
origem e como tais perdem inevitavelmente a legitimidade,buscando fundamento em
ideologias,estas sim idealistas e apartadas do real.Marx era o verdadeiro
idealista,era ideólogo também e só não publicou,como devia,” A ideologia Alemã”,porque
não quis reconhecer ou não soube,esta ligação com o passado.
No “ 18 Brumário”
ele constrói uma frase parecida com a de Comte,sobre os “mortos”:” a força de
todas as gerações do passado oprime como um pesadelo o cérebro dos vivos”obrigando
a estes últimos a solucionar os problemas deixados por eles,mas esta relação
não é tão monista ,única,reflexológica,assim.Ela é mais rica de mediações,as
quais analisarei em artigo próximo.
A frase de Comte
é “ cada vez mais os vivos são
governados pelos mortos”,que o Marechal Rondon recitou no leito de
morte,conforme relato de Darcy Ribeiro.Ambos os autores pecam pelo determinismo
e pela ilusão,típica do século XIX,de que a ciência rompeu inteiramente com o
passado.Não foi(é)bem assim não.
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