sábado, 24 de fevereiro de 2018

O comunismo depois de 17



Quem leu até agora os meus artigos sobre estas questões atinentes ao marxismo e à sua aplicação,verá que o meu posicionamento sobre tudo isto é o de que houve uma contradição entre os textos de Marx e Engels e o que se fez na Rússia.Se Marx e Engels condicionavam o comunismo ao fim do Estado,não deveriam apoiar o que se deu naquele país,em que a estrutura administrativa inchou e se tornou  senão  a maior burocracia da história,uma das maiores.
Como não pudemos perguntar isto aos dois fundadores do marxismo,temos que raciocinar segundo os textos que deixaram.E segundo o tempo em que vivemos e as conseqüências desta contradição:violência,inclusive contra os trabalhadores.
O que a URSS representou foi uma modalidade da constatação,por parte de todos os países,a partir de 1910,de que o paradigma liberal,de não intervenção do estado,fracassara.
A intenção dos revolucionários russos era seguir as orientações de Marx e Engels,como se vê no “ Estado e a Revolução” de Lênin.Mas os descaminhos do processo ,reformularam,às cambulhadas ,esta base,para justificar aquilo em que havia se transformado o projeto comunista.Um Estado intervencionista radical ,que se comprometia ,pelo menos,a ajudar integral e plenamente aos “produtivos”,digamos assim.
Embora o discurso fosse sempre de levar o socialismo da URSS para o comunismo,nós já vimos o quanto isto era falso e porquê.O totalitarismo era tolerado em nome da guerra(contra o capitalismo[que passou a sustentar o socialismo da URSS a partir de 56]) e da sociedade futura.Isto foi assim até que ninguém agüentasse mais(tal é o que há na Coréia do Norte).
Estas considerações são importantes por um seguinte motivo,que ainda anima os radicais,inclusive no Brasil:se o Estado intervencionista,consolidado na “ quebra de paradigma” de 29,pelo pensamento de Keynes,não contribui para melhorar ou solucionar os problemas das classes menos favorecidas,a revolução(comunista)ainda vale,apesar dos erros do passado.Ou melhor ,estes erros não vão ser repetidos.A história não vai ter um momento de farsa,ela vai se endireitar,por causa da “ nossa !(dos radicais) consciência quanto aos descaminhos havidos.
Acontece que,como eu tenho demonstrado aqui,sem a base social e cultural para uma mudança revolucionária(em qualquer sentido desta palavra)os erros do passado voltarão novamente e se imporão inexoravelmente.
E não há razão para se pensar que dentro do Estado burguês,da sociedade burguesa,não se possa obrigar o Estado  a fazer o seu papel social pleno,que já o faz em algumas nações.
A confusão comum entre comunistas e cristãos no movimento de esquerda gera outra ,entre a subjetividade emocional do revolucionário e a sua consciência de pesquisador.Ela atua na investigação das causas do problema social,mas quando cai na ação,diante da excludência e do sofrimento,age como um cristão emocional,que rejeita o mundo(Max Weber) e se paralisa ou se torna presa da obsessão compulsiva e voluntarista de mudar já.O revolucionário,quando acorda para trabalhar,deplora o regime parlamentar,”cretino”(Engels),mas quando chega em casa,para o lazer,defende-o.Uma bipolaridade bem conhecida na vida dos radicais,que relembra a dicotomia gramsciana “ momento egoístico/passional e de universalização”.
Não há como por um ato de vontade revolucionário ,construir um regime socialista democrático ,culturalmente plural,culturalmente democrático.Isto só ocorreria se a revolução fosse internacional,o que é difícil.Técnicamente é possível,se circunstâncias semelhantes àquelas que Lênin encontrou se apresentassem,mas esta via não é garantia de nada de novo.
O momento de universalização é o que se deve buscar.A compreensão profunda dos problemas nacionais(sem nacionalismo)é o caminho para ,dentro das nações,construir um regime cultural e economicamente próspero,para aguardar a decisão dos pósteros:se ficam neste regime ou se abraçam um outro(comunismo talvez).






quinta-feira, 8 de fevereiro de 2018

Marx(e a dialética)como precursor de Lyssenko



Não só Marx,mas a concepção da dialética como lógica objetiva coloca o seguinte problema:o que é mais importante,a dialética mesmo ou as ciências particulares?
No artigo anterior  sobre Marx  eu deixei claro que há um projeto interdisciplinar no pensador e que este era constituído pela dialética,isto é,a dialética é o cimento das relações entre as várias ciências reunidas por Marx.Mas previamente temos que dizer agora que há uma premissa evidente na proposta de Marx,que é a contraposição admitida e muito típica do século XIX,entre ciência,real ,e ideologia,na qual,de certa forma,temos que admitir está incluída a filosofia,na 11ª Tese Ad Feuerbach.
Eu expliquei lá que com esta tese tudo o que veio antes é mera aparência,sem valor,o que , a meu ver,é um absurdo.
A história ,e isto Engels revelou(bem como Voltaire)é feita não na liberdade humana de relacionamento produtivo com a natureza e com a sociedade.Nem muito menos o pensamento,que está permeado desta problemática,pode construir um discurso senão a partir destas limitações.Mas este discurso não é ,por isto,vazio.Admitamos,com a perspectiva de Marx,que no seu tempo as hesitações dos racionalistas são normais,mas,com o advento da ciência não.
Assim as hesitações religiosas de um Pascal,que propõe a famosa aposta em Deus,seriam justas no tempo dele,em que a ciência não predominava,mas não no nosso tempo.
Acaso,do ponto de vista psicológico,mesmo para o não crente,isto não tem validade existencial e científica?Quer dizer para quê ler Pascal e os filósofos se a ciência tem a explicação necessária das coisas?
Os racionalistas expressam a dúvida sobre a existência em Deus e esta questão é ,para alguns perfunctória,mas o desenvolvimento do pensamento não pode deixar de considerar alguns dos discursos elaborados por eles.
Diante de uma natureza aparentemente infinita e de um Deus que já não é tão próximo,as atitudes humanas se modificam.As interpretações desta constatação mudam o ser humano,então a tese de Marx começa a ruir e a ciência é como é,não tão absoluta.
Conseqüências  imensas derivam desta dúvida:uma liberdade sexual,política,social,porque Deus não é mais como a religião dizia que era:um sentinela das condutas humanas.
Não tem sentido macular a filosofia de vacuidade.Mas Marx,como eu disse,com esta premissa cientificista e com a dialética só estuda e investiga a filosofia até ao momento em que ela encaixa em seu modelo.Em nenhum momento ele se preocupa com o perigo que esta falta de estudo pode provocar.É uma postura subjetivista.
A dialética usada assim,em outros ramos do saber,se põe como mais decisiva e importante do que os saberes e ciências específicos.
Foi a partir daqui e da formulação por Engels do conceito de Materialismo dialético,que a dialética se tornou uma regra geral objetiva a presidir estes saberes.Era possível entender de todas as ciências,interdisciplinariamente,se se entendesse a dialética,porque  as regras do conhecimento as permeavam completamente.
Assim surgiu o conceito de uma ciência socialista e comunista superior à burguesa,que rejeitava a dialética.
Na URSS,com a ajuda do nacionalismo,este desatino atingiu o paroxismo na figura do biólogo Lyssenko,queridinho de Stálin.
Na medida em que ele conhecia a dialética,o biólogo produzia vacas e ovelhas melhores do que a da sociedade burguesa.
O cientificismo ideológico de Marx,a sua premissa dialética é ,contra  sua vontade,a base destes erros futuros.Marx também era ideológico,no sentido de possuir uma consciência falsa e limitada.

terça-feira, 6 de fevereiro de 2018

Marx ,a libélula



A ilusão da dialética da natureza levou Marx a reunir todos os seus conhecimentos enciclopédicos  numa suposta interdisciplinaridade orgânica e coerente.Mas ,na verdade, o levou a cometer erros,a partir deste vício de origem.
Ao falar sobre a “ interpretação” dos filósofos,como algo vazio,mostrou que conhecia superficialmente ,e não profissionalmente, a filosofia,mas o que se apresentava diante dele na sua época,uma metafísica(Wolf)chinfrim,preocupada com a solução da relação alma-corpo.
Esta metafísica era uma herdeira das hesitações do racionalismo clássico,que vai aí de Descartes,chegando Vanninni ,passando por Leibnitz,Pascal,Malebranche,Mersenne,Gassendi e outros.estes racionalistas,preparadores do Iluminismo,expressaram a dúvida da razão quanto à existência de Deus,frente à natureza ,que parecia ter as suas próprias leis.Foram estes racionalistas que criaram a idéia do teísmo,do Deus absconso(Pascal),do Deus que cria a máquina natural mas nela não intervém.
As interpretações feitas por eles  desaguaram nestes conceitos essenciais do Iluminismo,mas elas não são,de modo algum mera correia de transmissão para o iluminismo,que ficou mais famoso,por seu engajamento social e científico(e influência na Revolução Francesa).
As dúvidas do racionalismo já o humanizam,mas além disto,criam filosofias ,lógicas(Port-Royal),critérios que são válidos até hoje,como a dicotomia Sujeito/Objeto(Descartes).
Estas interpretações não são vazias.O sistema Metafísico, diante do esgotamento natural desta tendência dos séculos XVI e XVII,ao invés de aprofundar estas dúvidas,resolveu se fechar e se aliar à religião que não tem ligação obrigatória com a filosofia,mas com o poder.
Se Marx e Engels tivessem se aprofundado no estudo profissional da filosofia,teriam compreendido que a dúvida não é incerteza,mas conteúdo,ou antes,que a incerteza é a regra do conhecimento,de sua obtenção(Sócrates).
A libélula é aquele inseto que põe o traseiro na água e vai embora.Como Marx entendia que a dialética permeava todos os saberes ele os unificava na sua mediação e opunha o discurso filosófico à ciência do real.
Quando entendia que o essencial da filosofia se adequava à dialética,ele a largava.Quando o estudo da sociedade fazia o mesmo,ele a largava.Quando a política não se coadunava ,ele a deixava de lado.A economia ficou mais tempo,porque era o meio de se compreender as razões dialéticas reais da exploração,condição objetiva(dialética) de sua superação.Mas mesmo assim,depois do Capital toda a Economia desaparece diante de sua ciência “definitiva”.Os marginalistas e Keynes foram os contestadores  desta pretensão.
Como uma libélula ele ia abandonando cada saber depois de lhe tocar um pouquinho.
Este tipo de atitude põe a seguinte questão:o que é mais importante?O conhecimento particular ou a  dialética,que os reúne como bem entende ou segundo suas “ leis”.
A dialética vence a disputa e isto terá repercussões catastróficas na ideologia(consciência falsa)base da URSS,porque se fará uma distinção(falsa)entre ciência burguesa e socialista(dialética).Haveria uma física socialista e uma burguesa,uma ciência econômica socialista e outra burguesa,reacionária.Mas o pior foi a construção de uma biologia burguesa e outra socialista,que propiciou o surgimento da figura  histriônica se não fosse trágica,de Lyssenko.Assunto para o próximo artigo.

segunda-feira, 5 de fevereiro de 2018

Porque os filósofos e cientistas erram?



Para explicar os conceitos do artigo anterior sobre a inexistência da dialética,comungo de uma visão,desde que li na “ Dialética da Natureza” de Engels a famosa afirmação sobre a invenção da máquina a vapor,por Hierão,na Grécia Antiga.
Este invento só teve repercussão,segundo Engels(cuja avaliação é correta),quando surgiu o sistema econômico do investimento:o capitalismo.
Aduza-se a este conceito a visão iluminista de Voltaire sobre a História da humanidade:se os homens pudessem, ao longo do tempo, ter uma liberdade absoluta de investigação da natureza( e conseqüentemente  do corpo e da vida social),a História seria menor e os erros e dificuldades que os causam também.
Acontece que,como sabemos,conhecimento é poder e os poderes dominantes,estabelecidos, sempre impedem-no.O efeito disto é que ,às vezes,intuições extraordinárias,como a de Descartes(citada no mesmo livro por Engels)sobre a conservação da matéria,não se realizam num período de investigação empírica inadequada e os resultados concretos ficam perdidos,no imediato ,e só retornam quando as condições devidas surgem.
Assim é com a  dialética.A dialética objetiva das coisas é a continuação da visão dos filósofos racionalistas e jusnaturalistas,que pensavam existir uma ordem e uma estrutura na natureza e que a dialética desvelaria finalmente as leis do movimento.
Para Marx esta circunstância seria o fim da metafísica,só que não,porque apresenta um modelo fechado de compreensão, desmentido futuramente por novas pesquisas.Poderia Marx ,como outros pensadores ter ido mais adiante,com os materiais de que dispunha?O próximo artigo tenta oferecer uma resposta a esta pergunta.
Mas em princípio,a resposta é negativa:somente com a  plena liberdade de pesquisa,que harmoniza  o pensamento com o trabalho empírico e que expressa uma maturidade da humanidade na sua relação com o mundo,seria viável encurtar o caminho.