sexta-feira, 29 de maio de 2015

O Problema da liberdade em Marx



Em  todas estas discussões  fica claro  que  existe uma  incompatibilidade visceral(é  triste eu ter  que dizer isto)entre  Marx  e  a liberdade.Esta afirmação  tem um lado bom e  um lado  ruim como diz  aquele político.Se  de um  lado  a liberdade  só é  entendida  por  ele em  conjunto  com  todos os trabalhadores(dogma da  liberdade igualitária[Rousseau]{Galvano della Volpe}),o que expressa  um  solidarismo  radical,por  outro deslegitima  a  liberdade no tempo  presente,no  capitalismo,parecendo  mesmo legitimá-lo.
Ocorre  que  ,como eu disse  acima,a relação  de Marx e Engels com  o Estado é muito  cheia  de falhas,porque  para  eles  a  questão  só se dá na  recusa ao  Estado.A liberdade é uma  questão   fora do Estado.
Seguindo Aristóteles(e  Tomás  de Aquino[Marx é profundamente Aristotélico]),Marx  parte  da  liberdade política,inserida na  política   e  no Estado ,já buscando desvelar a  sua falácia.Esta liberdade,de Aristóteles ,é também  uma  ideologia(como consciência falsa),porque visa(e  é verdade)justificar a  sociedade escravagista antiga.Contudo,o significado  real desta liberdade  é mais  amplo porque se admite que já  está implícita  na gregariedade humana.É  claro que ao associar a liberdade humana à condição  natural  do homem (“ zoon  politikon “)dá-se continuidade  a este objetivo ideológico,mas ,inclusive,hoje emdia,observa-se  que na pura existência  humana(privada) há política .Mesmo  na  família  existe política ,quer  dizer,no mundo  privado,nas relações homem/mulher,inclusive,há política.Hoje até se fala  em  política no mundo  animal...
As  análises de Aristóteles  da  família,como entidade  política,encontram fundamento.
Marx entendia  que esta gregariedade deveria  ser  recuperada.Ele  compreendia  o sentido ideológico  desta gregariedade ,ou  seja,que  a  liberdade(como dizia  Spinoza)era "natural" ao homem,mas que  estava " alienada".A consciência desta   alienação o conduzia  à  revolução e à  liberdade,mas enquanto não  havia consciência e  ação revolucionária  não havia liberdade.E a  liberdade  só  se obteria  no  mundo  do trabalho  ,coletivamente,porque ela  se daria no  plano material.
Seguindo,mutatis  mutandi o  “ Contrato Social” de  Rousseau,Marx  pensava que era necessário  acabar com  o  Estado(Rousseau não defendia  o fim  do Estado mas que ele  fosse  re-organizado para ficar o  mais perto possível  da liberdade natural[gregariedade])  para  recuperar,em outras  bases,bem  entendido,a liberdade(Rousseau achava  que o  Contrato  reaproximava  o homem  da liberdade natural mas  esta não era mais recuperável[Marx  também,porque  ele  não  propugnava  o  “ comunismo primitivo”,mas uma  forma  superior  de comunismo,subjetiva  e  objetivamente]).
A liberdade,no sentido  desta gregariedade é uma  coisa,mas  aquela  da  convivência  no  Estado é  outra.Há aproximações  e distanciamentos,mas são distintos.Somente neste  segundo caso é que  se pode  entender  a  famosa  e amplamente citada  frase  do liberal  inglês  Edmund  Burke,”a liberdade é indivisível”,isto é,quando a  liberdade  de um (cidadão)é  atingida a dos outros   corre  risco.
Existem,no entanto  ,pessoas que nas  mais adversas circunstâncias conseguem  realizar as suas potencialidades  e se consideram livres.O marxismo,no  seu  espírito anti-liberal,afirma  que  tal  exceção só ocorre  porque um Estado  opressor ou mesmo  a  sociedade o ajudaram  porque ninguém  é sozinho  como Robinson  Crusoé,no que  é  uma  meia-verdade.
O processo  do  trabalho  no  mundo capitalista  guarda  legitimidade,apesar da exploração.Muitos,pelo trabalho,legitimo,chegaram à liberdade  e  o  capitalismo  reconhece  isto.
O  operário  é explorado,mas o seu trabalho   é legítimo e  autêntico.Thomas  Edison ao  produzir as  suas realizações,se aproveitou de todo o processo de exploração e depois o reproduziu,como capitalista que se tornou,mas  seu  aprendizado  e  sua realização  são legítimos.Se é patrimônio do povo ou da pessoa é outra discussão.
Se depois  a exploração é exercida é outra  coisa,a  chegada  é importante.E  para  lembrar  o   problema  do imanentismo,proposto por  aí,como  o  terreno  da liberdade real  no pensamento de Marx,ser livre ,é não só  ser  reconhecido  em suas necessidades materiais,mas também  realizar as potencialidades do individuo(e vê-las reconhecidas[liberalismo]).
Este caminho imanente seria  verdade  se  não  houvesse  a  relação com o Estado,que  não é  obrigatoriamente  oposto  à liberdade.Vê-se  muito desde sempre,mas nos dias  atuais,quanto o Estado,através  do Direito,garante a liberdade individual.
Neste  sentido  assiste  razão  ao pensamento de um  Locke,dizer  que a  liberdade é  também o de recusar uma  relação absoluta de  direito/dever com  o  Estado,porque o individuo é responsável por sua liberdade também;e  assiste ao pensamento marxista,devidamente resignificado (acréscimo do papel do direito,por  exemplo)quanto  a esta exigível  relação.
Mas em  Marx,a pura  imanência não resolve o problema   da liberdade no  seu pensamento,porque Marx  não o entendia  senão  como  algo fora  dele  e  não dentro  dele,como reconheceram  os liberais.

sexta-feira, 22 de maio de 2015

“Manual” da recuperação da liberdade em Marx



Ainda  tratando de  Marx  como  filósofo  materialista e por  isso  imanentista,devemos dizer  algumas  coisas  que  são  essenciais  para se entender  o  papel  deste  filósofo (ET  AL)quanto  às suas limitações.
Há uma  tentação  de  considerá-lo  como tal,de  ressaltar o  seu  imanentismo,para  mostrar  como  ele  associava  a  liberdade  à  própria natureza humana,como  algo  inevitável e  próprio  dela.Isto se impõe  como importante  uma  vez  que  busca-se  separar  a  sua utopia  da finalidade.Se a  utopia marxista  está(va)associada  um  finalismo,uma  teleologia,caída  esta,o  que  resta?Althusser,muito  crítico do  socialismo real,procurou exatamente  por  este caminho  “ salvar”  Marx  da débâcle  prevista,já  nos  inícios  dos  anos 80 do século passado.
Mesmo associando obrigatoriamente  Marx  com Hegel  a intenção  era  diminuir  o papel  da  teleologia,que  estava  subentendida  neste último de uma  maneira ainda  mais escandalosa.Para  Hegel(no  que  se  considerou depois como uma  antecipação do totalitarismo  nazista),o  Estado como  consciência  coletiva  da  sociedade,onde a  subjetividade encontra  a  sua realização(consciência  das  carências[Filosofia  do Direito])era  a  consecução,realização,efetivação,da  (sua[mas que ele  considerava  lei  dialética  universal])  teleologia  dialética.Como  a  Alemanha(o  estado[sociedade[nação]  alemão{ã}(através  dele) (esta  lei  universal)a havia “descoberto”  ela  pulara na  frente  na senda  do  progresso e  da  liberdade.Era,pois,o  Estado  da liberdade  final(teleológica[final-(idade)]).
Marx  segue  este pensamento com as devidas  modificações conhecidas(colocando a  dialética de “  cabeça  para  baixo”)e  colocando ,no lugar  do Estado,o comunismo,o  não-Estado,onde  a  liberdade(real)se  efetiva,de  fato ,concretamente(“ a verdade é concreta”).
Neste  processo marxista(marxiano?[jovem Marx])de libertação,porém,avulta  uma  mediação humana/humanizadora,que  aparentemente repele  a  idéia(religiosa/tomista)de    natureza  humana),remetendo-o  ao  imanentismo(Spinoza),ao materialismo em  geral:a  antropologia  do trabalho.
A  libertação  em  Marx,diferentemente  de Hegel(consciência)é  pelo  trabalho(materialismo).Para  Marx ( e Engels  e Lênin)a subjetividade é  idealismo.Pelas  razões  a  que já aludi  em  outro artigo  mais  acima ,eles  confundiram  as idéias com  os transcendentais  da  religião.
Talvez Marx  pudesse  compreender  a  natureza  autônoma da linguagem ,das  idéias  se  tivesse  conhecido Kant,mas  este filósofo  não era  conhecido,senão em setores muito  restritos,não  tendo  a  mesma  celebridade,por exemplo,de  um  Hegel(poderia  igualmente  se  entendesse  que  ao  lado da  luta  de classes  existe a co-relação  entre  elas  e  que  a linguagem da política é essencial  para  o  movimento da  História,sabe-se  lá...).
Lênin  teve  contato  com  Kant?No seu livro tão  ultrapassado  “ Materialismo  e  Empirocriticismo” ele  faz  críticas mas  não  demonstra  tê-lo lido  diretamente ,o  que é uma atitude bem antiética,bem  anti-profissional  que  o leva  a  tirar  ilações  absolutamente sem  fundamento,evitáveis  se ele  houvera  lido  na    Crítica  Da  Razão Pura”,a  parte referente  à “  Estética  Transcendental”,onde  o  alemão  desmonta  esta  acusação  ,que  vem desde o século XVIII,pela  qual  ele  e  Berkeley  pensam do  mesmo jeito.
Desta  forma,dita  reiteradas  vezes , Marx  só entendia  que a  mediação  de libertação humana  ,no plano material, é pelo  trabalho,  que  modifica -o materialisticamente.Só  assim  se  pode acessar  o  que  ele  disse  no  famoso  “ Prefácio” da  Economia  Política ,de 1857,mas isto  marca a  continuidade  de seu  pensamento imanente.
Se  se  quer  recuperar  o sentido  da  sua  liberdade,libertando-o  da  teleologia pelo  imanentismo(inclusive  buscando  associá-lo com Spinoza)não haverá  uma resposta  satisfatória.
A  dialética ,o  movimento  do  Ser  no panteísmo  spinozista  não  são  capazes  de construir  uma  alternativa  recuperadora,nos  termos  acima.É preciso lembrar  que Hegel  afirmava  que a dialética  começou  na “ Ética”  de Spinoza,no  axioma “omnia determinatio  este  negatio”.A  contradição nasce    e  continua  na  dialética  hegeliana,mas  nem  o movimento  oferece(supostamente  um seu derivativo[da  contradição  quero dizer])uma  solução.
A  tentação  é que  ,e  isto  é o que subjaz  a toda  esta  discussão,é  preciso  resgatar  o sentido  da liberdade  em Spinoza,que parece  algo  inevitável no seu pensamento,coisa  que  depende,em Marx,da  teleologia.Esta  dependência  é uma  contradição terrível a qual  põe  em xeque  a  verdade  de que o marxismo  é libertário.O desejo  é  que  o  panteísmo  spinozista  venha  em  socorro  de Marx.
A liberdade  como puro  movimento(dialético)não  se  sustenta.O  pensamento  de  Bernstein (“o movimento  é tudo,o fim  é nada”  )não  encontra  base nos  textos  de Marx,constituindo um  marxismo  sem  Marx,ou um  materialismo  histórico  diferente  do dele.

sexta-feira, 8 de maio de 2015

Marx era imanentista,mas isto é ruim



Infelizmente  eu  não  pude  ir  a  uma  palestra  sobre  Spinoza  e  Marx  como filósofos imanentes ,mas  deixo a minha contribuição  para  este  debate  que  não  é  muito  novo em  se  tratando de Marx.
Os  austro-marxistas,Bruno  e Otto  Bauer,bem  como  Karl  Korsch    haviam criticado as  limitações  de Marx,por causa disto  e  buscaram demonstrar  que a  associação  verdadeira   era  entre  Kant e  Marx  e não  Marx e  Hegel.
Hoje em dia  ,inclusive,se  associa  Kant  com  Hegel,demonstrando  que  sem  o  criticismo kantiano,a  libertação da  subjetividade,da simples  razão,quanto  à  objetividade,quanto  à  obrigatória adequação em  relação  ao objeto,não  haveria  nada  do  inicio  do século  XIX  aos dias  de hoje  e eu subscrevo  esta  afirmação,principalmente  depois  que ficou provado  por Sartre  e  Popper  que a  dialética    objetiva”  não  existe,sendo  um  produto da  consciência(in “Critica  da  Razão  Dialética”  e    What´s dialetics?”  respectivamente).
Os  filósofos  materialistas,de  modo  geral,como Spinoza  e Marx,são imanentes  pois  acreditam  que as leis  internas  do Ser  dirigem(e  produzem) a    consciência,mas  esta  não é expressão de leis da matéria,senão que   guarda autonomia  diante  dela.
Esta  constatação  ficou  muito mais  clara  com  Freud,mas se Kant  tivesse tido  mais popularidade , já  desde  o seu tempo  seria possível  afirmar  isto.
Hegel ,embora  não fosse materialista,acreditava  que  existiam  leis dialéticas do movimento do Ser.Habermas  demonstrou em  seu  “ Discurso  Filosófico da  modernidade”  que em  1806,ao tempo  em  que  ele  escrevia  a fenomenologia do espírito,ele  quase rompeu  com  esta  visão  fechada  da  dialética,valorizando a  linguagem como  algo  autônomo.
Mas  tudo isto  é  para  mostrar  que  Kant  libertou esta  subjetividade da  pura  relação  com a matéria,para  torná-la algo  autônomo e  que,transcende  à  matéria,não  a expressa em  suas  leis fundamentais.
No caso de  Marx  as  intermináveis  discussões  sobre  quem  vem  primeiro  a  idéia  ou  a  matéria estão  superadas.Marx,como Engels  e Lênin(eu    disse  em  outro artigo)não sabiam  bem  o que era  a  Filosofia,que  na época  deles  era  dominada  por discussões sobre a  alma,sobre  as  relações  alma/corpo  etc.Também,diga-se em defesa  deles,que  não  se  tinha  um  instrumental  filosófico/cientifico(Freud/Kant)para  entender  a  autonomia das  idéias,o  fato de que  o sujeito constrói o objeto  e  que o pensamento ,em  seu  movimento,não  tem como “ obedecer” a  leis  objetivas ,numa  contradição flagrante.
Os austro-marxistas citados  perceberam  que  a  descrição da utopia comunista atendia  ,para Marx ,a  leis  dialéticas objetivas  da  História,criando  uma  outra  contradição entre  inevitabilidade  e evitabilidade  do comunismo,flagrante  também.Mas  para  eles  esta descrição  é uma  narrativa  do  que  deve  ser esta  sociedade,não  uma  descoberta/desvelamento  das  leis  ocultas  da  História  pela  ciência do materialismo histórico.
O  Ser  e  o dever-ser estão  separados  e  o dever-ser  não  é pura  expressão inevitável  do Ser,mas algo  que  se relaciona  com  ele,com  enorme  grau  de liberdade.Embora  a  relação se    na  experiência  do Ser  pela subjetividade,esta  não é simples  reflexo  dele.E  esta  experiência  transcendente permite  a relação com  o Ser e com  as demais subjetividades.
O  comunismo  pois  não  é resultado  da  história,mas  uma  teoria,uma  narrativa possível,diante  das  mudanças da  sociedade,do que é  melhor  para a  humanidade.
Gosto muito  também de Spinoza,mas  o seu mérito maior  é ter  associado uma  idéia de Deus(ainda que eu ache que  este filósofo era ateu)com o  conhecimento,estrada  para  vencer a superstição.Um  Deus  anti-supersticioso!Isto é que é!Mas  em  algumas  partes  de Spinoza  a  falta  de transcendência  desumaniza  e  disto trataremos em outro artigo.