domingo, 8 de março de 2020

Porque prefiro Max Weber à Karl Marx(e à Aristóteles).


Tudo é uma questão de método.O método na ciência(e a própria ciência[como tudo na vida]),muda com o tempo e com o tempo qualificado,que é a história.
Até muito recentemente estas verdades não eram reconhecidas e pensava-se muito numa ciência ,num saber ,definitivos.A noção do tempo não era compreendida em todas as suas implicações.
A revolução francesa consagrou o princípio dinâmico da sociedade moderna,que,livre da idade média,se permite colocar novos fundamentos para si própria,à hora desejada.
Não é à toa que Beethoven representa muito deste periodo novo,na medida em que ,como criador,permite a criação de diversos códigos de criação para a sua arte e para a dos outros,que o seguem(Roland Barthes).
Este debate entre tempo e novos códigos e dogmatismo atinge também o marxismo,na sua relação com a sociologia.
O meu primeiro contato com Weber foi o pior possível,porque ele me apareceu distorcido pelo dogmatismo stalinista que o considerava prócer de uma “ ciência burguesa” ,se é que isto existe.Naturalmente a maturidade esclarece muitas coisas,ajudada pelos fracassos do marxismo.
É uma exigência ,depois do fim do comunismo,rever conceitos,após reconhecer,psicológica e éticamente a derrota.
Sim ,porque não e´uma questão técnica ou funcional a derrota,mas teórica,de fundamentos.Se o socialismo real,de orientação comunista,fosse bom,não teria caído tão fácil e analisando a sua trajetória fica clara a dependência cada vez maior do socialismo real do capitalismo,que acabou por passar por cima dele,inapelavelmente.
Não é à toa que os chineses tiveram que reformular o seus critérios de competição com o capitalismo,primeiro aderindo a ele em grande parte e segundo evitando uma competição simétrica tradicional,isto é,pari passu.Os chineses competem usando várias estratégias inter-relacionadas e indiretas de competição,para evitar que uma corrida acabe destruindo a China.
Mas estes são temas de outro artigo.Por trás destas discussões que eu adiantei está o problema metodológico que opõe Karl Marx a Max Weber.
Os comentadores de Karl Marx são acordes em dizer que ele usa a Totalidade como meio metodológico de atingir os seus objetivos científicos.A totalidade,como “síntese de múltiplas determinações”,não é mais do que o método dedutivo-racional de Aristóteles acrescido da dialética hegeliana,”colocada sobre os seus pés “.
A “ síntese de múltiplas determinações” não prescinde de uma premissa racional que dê sentido a esta totalidade:a totalidade não é indistinta ,como a dialética não é.Não tem sentido tomar dados do real e observar as suas reciprocas determinações a fazer sentido por elas próprias.Como seria o esquema do Capital,da produção de mercadorias,se Marx não tivesse colocado a premissa?A premissa é a mercadoria,o padrão mais geral do capitalismo.Mas este padrão é típico da metodologia dedutivo-racional,aristotélica.Isso constitui uma contradição com a ideia da dialética,mas isto é assunto para outro artigo também.Não nos desviemos.
O fato é que Marx é um Aristotélico,utilizando padrões gerais ou um padrão total,para ,deduzir as suas partes e manifestações,como fez com a mercadoria no Capital.Depois ele aplica a dialética ou a usa pari passu.Marx decompõe a mercadoria e analisa o seu processo de produção,reprodução e circulação.
A sociologia vai se formando aos poucos e Marx é um dos seus criadores quando inicia a sua explicação da mais-valia,pelo “ tempo de trabalho socialmente necessário para a produção de mercadorias”.A mais-valia não foi descoberta só por Marx.Os economistas neo-ricardianos,como Eduard Thompson e Joseph Bray a anteciparam.Ricardo não,mas estes seus discipulos revelaram que o trabalho é que agrega valor às mercadorias,aos bens e produtos.Esta afirmação ,no entanto,por si só,não explica o capitalismo.O capitalismo é um sistema no tempo,atuando segundo modos especificos de produção e é só assim que é explicável a produção de mais valia:aquela que mantém o sistema funcionando.
A sociologia,no entanto,é descritiva e compreensiva,porque ela percebe que o modelo de padronização racional ,embora inelutável,não cobre a infinidade de eventos,inclusive singulares,da sociedade.Como expliquei em outro lugar,a burguesia,pressionada pelo movimento social ,resolveu investigar as condições precárias em que viviam os trabalhadores,no intuito de conter as suas reinvindicações.Neste contexto é que surge a sociologia.
Diversas correntes vão delineando esta “ ciência”,com os momentos decisivos de Comte e de Durkheim,com o fato social.Mas a questão fundamental da sociologia é a sua descritividade,a sua compreensibilidade,diferente dos padrões racionais dedutivos de Aristóteles.Não é que a sociologia acabe com Aristóteles,ma só limita,mostrando que as leis sociais são tendenciais e não certas,absolutas,como pensava o estagirita e pensam ,em muitos casos,a ciência e a filosofia.Sim porque a sociologia não tem condições de substituir evidentemente a ciência, a filosofia.
Trago esta questão por causa da comparação proposta entre Max Weber e Marx.Marx ainda é fundamentalmente um aristotélico enquanto que Weber propõe uma metodologia sociológica isenta.
Como acabamos de falar uma coisa são os padrões dedutivo-racionais,outra a descritividade,a compreensão que esta descrição proporciona.
Porque considero que o método sociológico é melhor do que o de Marx?Porque ele abarca a sociedade em seus momentos singulares,enquanto que o método aristotélico forma padrões essenciais ,deixando de lado o que é acessório.A sociologia compreensiva inclui estes momentos acessórios.
Como se sabe, a formação de padrões racionais e sua compreensão serviu de base a exclusões sociais e politicas,em todo o ocidente:os povos e pessoas incapazes de compreender esta “ razão”(dasein:esta razão aí)foram,de algum modo,excluídos.A razão e a sua inacessibilidade foram usados para os piores crimes.
Sempre me impressionou que Max Weber usasse ,para suas análises,não categorias monumentais próprias do aristotelismo.Aristóteles usa “Ontologia”,”Arethe” e assim por diante ,mas Weber constrói explicações complexas com expressões coloquiais ,de pessoas às vezes iletradas,como nos seus estudos de religião.Ele chega ao cúmulo de reproduzir certas frases recorrentes em determinados grupos e seitas para fundamentar explicações.
No sociologia do futebol fica assentado que é possível mudar certos termos,para inclusive,no plano social,induzir mudanças.Ao invés de se referir a um clube “ pequeno”,inexoravelmente,pode se dizer “ clube de menor investimento”,que pode se tornar depois,de “ maior”.
Por mais que o marxismo tenha a intenção de ser popular e humano ,a sua matriz aristotélico-hegeliana o induz a derrapar na excludência e nele,ab ovo,estão as horriveis consequencias futuras decorrentes das tentativas de provar a justeza da teoria.Em Marx está um pouquinho sim(sem ele saber)de Stalin.
A caracterização do campesinato,como “ cretino”,por parte de Marx(“ cretinismo do campo”como se vê no “18 brumário”),o prova,porque foi isto que justificou,entre outras coisas,a violência contra os camponeses,na “ coletivização forçada”.Este tipo de pensamento não era só de Marx,mas do cientificismo e do Iluminismo,mas depois tratarei disto.O fato de cientificamente se considerar as relações no campo como arcaicas,diante de um mundo melhor porque mais produtivo,(não)justifica a violência,mas acaba justificando,diante das “ necessidades politicas”.
De outro lado Weber mostra como o reconhecimento ,por parte das famílias protestantes em torno de uma mesa de almoço,agradecendo a comida proporcionada pelos camponeses,em oração,por pequena (a contribuição[o trabalho]{e a comida})que seja,marca um ponto acima dentro dos humanismos propostos ,o marxismo e a sociologia weberiana,a favor,claro ,desta última.
Por isto prefiro Weber a Marx.

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