O
historiador da filosofia Needelham afirmava que a partir de qualquer autor era
possível formar uma filosofia,um pensamento,uma idéia e é verdade.Se olharmos a
história da filosofia,grandes idéias,movimentos,foram tirados de determinado
grupo pequeno de autores,principalmente Platão e Aristóteles,os quais foram ( e
são?)o modelo do Ocidente.Inclusive do cristianismo.
Mas
se observarmos bem a formação dos filósofos,posteriormente a estes
citados,sempre dava conta de um certo “ trivium”,ou seja,um grupo básico de
saberes essenciais,sem os quais era impossível se formar como filósofo,pelo
menos na acepção datada desta palavra.
Marx
acompanhou aulas de filosofia de Eduardo Gans na Universidade,fazendo uma
baldeação entre o curso de direito(conforme desejo do pai)e o de
filosofia,notadamente os intérpretes,comentadores e continuadores da filosofia
hegeliana,que era tida ,naquele tempo,como
descobridora do “ movimento” do pensamento,da physis,e da sociedade.
O
percurso marxiano,quer dizer do jovem Marx até aos jovens hegelianos(porque não
considerá-lo um deles?),que é a segunda geração dos intérpretes e
comentadores,é este,moldado pelos interesses pessoais,não pela necessidade ou
exigência de formação,até porque a organização universitária daquele período
não era tão rígida como a de hoje.
Neste
sentido Marx não teve o básico de uma formação de expositor (professor)de filosofia,muito
embora,como se vê na “ Ideologia Alemã”
tenha citado muitos autores,inclusive Kant.Pròximamente eu farei um estudo
destas citações.
Isto
confirma o pressuposto inicial de que é possível construir um pensamento novo
com uma base específica.Marx queria o “ movimento real das coisas”.Discutir a
religião não era mais importante do que o movimento real das coisas,que era o
movimento social,identificado por ele como o dos trabalhadores e operários ,que
desde o século XVIII vinham propondo idéias utópicas para substituir o capitalismo(neste aspecto Marx é um dos
precursores da sociologia).E esta rejeição se deu pela leitura de Feuerbach,o qual
desenvolveu uma idéia contida já no
Pré-socrático Xenófanes de Colofão,segundo a qual os deuses são projeção ,no
céu,dos desejos humanos,no que se pode considerar o inicio provável do ateísmo.
Não
ocorreu a este filósofo,bem como a Marx,que o discurso religioso,como Hegel
chamava a “ religião popular” e a “ religião racional”(dos doutos),tivesse
autonomia e legitimidade.O simples fato de ser mera projeção (falsa)do
homem,sobre a natureza,sobre o mundo,o conduziu à sua total rejeição.
Jurgen
Habermas,no livro “ O discurso filosófico da modernidade”,demonstra que foi
possível a Hegel ( e eu digo a Marx),elaborar uma “ razão comunicativa”,com a autonomia
das idéias,em 1806,em relação ao primeiro , e eu digo que ,de 1844 a 1848,com
relação a Marx,que este poderia se adiantar a Gramsci,quem sabe.
O
“ respiro da criatura oprimida’,” o coração de um mundo sem coração” não se
apresentaram a Marx como mediações abertas ao discurso revolucionário,que se
limitou ao desforço político e às armas(e ao conhecimento da economia).As armas
da crítica(Kant)foram suplantadas pelas armas,que dispunham não de um discurso
justificador(ideológico),mas da verdade científica.
No
livro citado Habermas explica que trabalhando com os conceitos acima citados de
“ religião” e com a literatura popular
da Alemanha,mais precisamente com o esforço de Schlegel de recuperar a arte
medieval ,Hegel ,se aprofundando,teria chegado a esta “ autonomia das idéias”,tão
imprescindível à razão comunicativa,como a outros discursos subjetivos
legítimos futuros(inclusive a psicanálise),se não se aferrasse às “ leis da
dialética”.Mas esta questão eu vou analisar no artigo seguinte.
O
que eu quero dizer é que faltou este aprofundamento possível no caso de Marx
também,que não tendo um “ trivium” de filosofia não se convenceu da
autenticidade da “ autonomia” e da mediação das idéias.
Mas
o caminho aberto e não trilhado é claro,era possível,tanto para Marx quanto
para Hegel.A narrativa bíblica é cheia de fatos fantásticos,não condizentes com
o real.É demais esperar que ambos tivessem uma antecipação quiçá psicanalítica
de um basilisco,uma simbólica ou semiótica,mas é difícil crer que leitores de
Shakespeare,de Hamlet, não notassem as evidentes implicações políticas(pelo
menos[não psicanalíticas])do fantasma do pai de Hamlet aparecendo no castelo.
O
papel de Mefistófeles nas obras de Goethe não tinham este poder,porque o diabo
,no primeiro Fausto é a contraposição do bem ,a tentação,purgada pelo amor de
Margarida;e no segundo ele é a força ativa do trabalho,o inicio da “ antropologia
do trabalho”,desenvolvida por Marx,a vida toda.O diabo ,que quer destronar Deus,
não oferece condições para uma elaboração
da subjetividade,mas a arte em geral sim.
É
curioso como esta visão científica/cientificista de Marx(determinista)perdurou
na dicotomia superestrtura/infraestrutura,que serviu a Engels para fazer a
análise célebre das “ Eumênides” de Ésquilo(que
em próximo artigo analisarei também).Para ele,numa antecipação da reflexologia(
e continuando com a oposição de Marx ciência e ideologia),a mudança no
comportamento dos deuses é em decorrência das transformações sociais,não
possuindo as decisões destes deuses valor(axiologia)autônomo ou significados
perquiríveis científicamente pela sociedade.
Mas
nas obras de Shakespeare ,Hamlet,Macbeth,Rei Lear,existem questões subjetivas a
desenvolver.Bem como na Bíblia.
A
capacidade de José de interpretar os sonhos opera mudanças na atividade
política dos faraós bíblicos,na relação com os hebreus,assim como a
legitimidade do poder em Hamlet e Macbeth é posta pelos
fantasmas,sem,óbvio,existência real(como é da definição de fantasma...).
Ao
questionar o poder de Deus-Pai,que cria o seu filho unigênito,dentro da
dialética,David Friederich Strauss,renova o ateísmo,mostrando que Deus se
limita e passa a se definir pelo filho,sem o qual ele não mais existe.Como não
fazer uma conexão coma Revolução Francesa,que decapitou um Rei, o pai da
nação(como os reis eram[Marx era leitor da Revolução Francesa])?Strauss era
jovem hegeliano e Marx bateu de frente com ele.Como não perceber que houve a ,partir
das idéias ,uma mudança de comportamento político com o cristianismo e uma nova
interpretação da Biblia?
O
cientificismo dialético determinista de Marx (e o de Hegel)o impediu de notar
estas possibilidades.
Ao
ler certamente a doutrina transcendental dos elementos,Marx seguiu o pensamento de
Kant,de que havia um a priori(idealista)capaz de organizar o mundo e a
experiência segundo um modelo prévio.Mas nem ele e nem Kant viram as inúmeras
chances de constituir um logos autônomo(referenciado a si mesmo),na estética transcendental,em
que os juízos sintéticos são elaborados.Ao dizer “ todos os corpos são leves”
ou todos os corpos são pesados”,era admissível dizer “ o basilisco existe”,se
fosse relacionado com o comportamento humano o qual muda instâncias definidas da
sociedade.Como os sonhos do Faraó,os personagens de Shakespeare(ou Balzac ,que
Marx tanto gostava).Mais ainda, numa época em que autonomia do individuo era ampliada,com o
protestantismo ,que admitia várias leituras da Biblia,porque não municiar os
operários desta capacidade?Porque confiná-los na ciência e no determinismo?Esta
oportunidade parece perigosa à concepção de Marx e Engels,ou dependente do
advento do comunismo.
Hegel
,na oposição dialética(portanto legítima
em ambos os termos)entre verdade e falso,tinha esta condição,mas cortou-a ao
meio com as “ leis da dialética”, o “ logos dialético”.
A
autonomia se dá plenamente quando a subjetividade compreende a linha de ligação
entre a imaginação(sonhos)e os significados ocultos nela própria.Isto é ,José é
decifrado por Freud.Aí juízo sintético imaginativo “ o basilisco existe e é
vermelho”,ganha um significado.
E
o progressivo incremento da axiologia revela que por trás das narrativas não
científicas há valores,que a política(e a economia)devem reconhecer,como
saberes sociais que são.
Será
que faltou um conhecimento mais profissional a Marx,um conhecimento ,ao menos ,da
História da Filosofia?Kant o tinha e não chegou lá.To be continued.
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