domingo, 1 de abril de 2018

Mais fundamentos para o diletantismo filosófico de Marx


O historiador da filosofia Needelham afirmava que a partir de qualquer autor era possível formar uma filosofia,um pensamento,uma idéia e é verdade.Se olharmos a história da filosofia,grandes idéias,movimentos,foram tirados de determinado grupo pequeno de autores,principalmente Platão e Aristóteles,os quais foram ( e são?)o modelo do Ocidente.Inclusive do cristianismo.
Mas se observarmos bem a formação dos filósofos,posteriormente a estes citados,sempre dava conta de um certo “ trivium”,ou seja,um grupo básico de saberes essenciais,sem os quais era impossível se formar como filósofo,pelo menos na acepção datada desta palavra.
Marx acompanhou aulas de filosofia de Eduardo Gans na Universidade,fazendo uma baldeação entre o curso de direito(conforme desejo do pai)e o de filosofia,notadamente os intérpretes,comentadores e continuadores da filosofia hegeliana,que era tida ,naquele tempo,como  descobridora do “ movimento” do pensamento,da physis,e da sociedade.
O percurso marxiano,quer dizer do jovem Marx até aos jovens hegelianos(porque não considerá-lo um deles?),que é a segunda geração dos intérpretes e comentadores,é este,moldado pelos interesses pessoais,não pela necessidade ou exigência de formação,até porque a organização universitária daquele período não era tão rígida como a de hoje.
Neste sentido Marx não teve o básico de uma formação de expositor (professor)de filosofia,muito embora,como se vê na “ Ideologia  Alemã” tenha citado muitos autores,inclusive Kant.Pròximamente eu farei um estudo destas citações.
Isto confirma o pressuposto inicial de que é possível construir um pensamento novo com uma base específica.Marx queria o “ movimento real das coisas”.Discutir a religião não era mais importante do que o movimento real das coisas,que era o movimento social,identificado por ele como o dos trabalhadores e operários ,que desde o século XVIII vinham propondo idéias utópicas para substituir o  capitalismo(neste aspecto Marx é um dos precursores da sociologia).E esta rejeição se deu pela leitura de Feuerbach,o qual desenvolveu  uma idéia contida já no Pré-socrático Xenófanes de Colofão,segundo a qual os deuses são projeção ,no céu,dos desejos humanos,no que se pode considerar o inicio provável do ateísmo.
Não ocorreu a este filósofo,bem como a Marx,que o discurso religioso,como Hegel chamava a “ religião popular” e a “ religião racional”(dos doutos),tivesse autonomia e legitimidade.O simples fato de ser mera projeção (falsa)do homem,sobre a natureza,sobre o mundo,o conduziu à sua total rejeição.
Jurgen Habermas,no livro “ O discurso filosófico da modernidade”,demonstra que foi possível a Hegel ( e eu digo a Marx),elaborar uma “ razão comunicativa”,com a autonomia das idéias,em 1806,em relação ao primeiro , e eu digo que ,de 1844 a 1848,com relação a Marx,que este poderia se adiantar a Gramsci,quem sabe.
O “ respiro da criatura oprimida’,” o coração de um mundo sem coração” não se apresentaram a Marx como mediações abertas ao discurso revolucionário,que se limitou ao desforço político e às armas(e ao conhecimento da economia).As armas da crítica(Kant)foram suplantadas pelas armas,que dispunham não de um discurso justificador(ideológico),mas da verdade científica.
No livro citado Habermas explica que trabalhando com os conceitos acima citados de “ religião” e com a  literatura popular da Alemanha,mais precisamente com o esforço de Schlegel de recuperar a arte medieval ,Hegel ,se aprofundando,teria chegado a esta “ autonomia das idéias”,tão imprescindível à razão comunicativa,como a outros discursos subjetivos legítimos futuros(inclusive a psicanálise),se não se aferrasse às “ leis da dialética”.Mas esta questão eu vou analisar no artigo seguinte.
O que eu quero dizer é que faltou este aprofundamento possível no caso de Marx também,que não tendo um “ trivium” de filosofia não se convenceu da autenticidade da “ autonomia” e da mediação das idéias.
Mas o caminho aberto e não trilhado é claro,era possível,tanto para Marx quanto para Hegel.A narrativa bíblica é cheia de fatos fantásticos,não condizentes com o real.É demais esperar que ambos tivessem uma antecipação quiçá psicanalítica de um basilisco,uma simbólica ou semiótica,mas é difícil crer que leitores de Shakespeare,de Hamlet, não notassem as evidentes implicações políticas(pelo menos[não psicanalíticas])do fantasma do pai de Hamlet aparecendo no castelo.
O papel de Mefistófeles nas obras de Goethe não tinham este poder,porque o diabo ,no primeiro Fausto é a contraposição do bem ,a tentação,purgada pelo amor de Margarida;e no segundo ele é a força ativa do trabalho,o inicio da “ antropologia do trabalho”,desenvolvida por Marx,a vida toda.O diabo ,que quer destronar Deus, não oferece  condições para uma elaboração da subjetividade,mas a arte em geral sim.
É curioso como esta visão científica/cientificista de Marx(determinista)perdurou na dicotomia superestrtura/infraestrutura,que serviu a Engels para fazer a análise célebre  das “ Eumênides” de Ésquilo(que em próximo artigo analisarei também).Para ele,numa antecipação da reflexologia( e continuando com a oposição de Marx ciência e ideologia),a mudança no comportamento dos deuses é em decorrência das transformações sociais,não possuindo as decisões destes deuses valor(axiologia)autônomo ou significados perquiríveis científicamente pela sociedade.
Mas nas obras de Shakespeare ,Hamlet,Macbeth,Rei Lear,existem questões subjetivas a desenvolver.Bem como na Bíblia.
A capacidade de José de interpretar os sonhos opera mudanças na atividade política dos faraós bíblicos,na relação com os hebreus,assim como a legitimidade do poder em Hamlet e Macbeth é posta pelos fantasmas,sem,óbvio,existência real(como é da definição de fantasma...).
Ao questionar o poder de Deus-Pai,que cria o seu filho unigênito,dentro da dialética,David Friederich Strauss,renova o ateísmo,mostrando que Deus se limita e passa a se definir pelo filho,sem o qual ele não mais existe.Como não fazer uma conexão coma Revolução  Francesa,que decapitou um Rei, o pai da nação(como os reis eram[Marx era leitor da Revolução Francesa])?Strauss era jovem hegeliano e Marx bateu de frente com ele.Como não perceber que houve a ,partir das idéias ,uma mudança de comportamento político com o cristianismo e uma nova interpretação da Biblia?
O cientificismo dialético determinista de Marx (e o de Hegel)o impediu de notar estas possibilidades.
Ao ler certamente a doutrina transcendental  dos elementos,Marx seguiu o pensamento de Kant,de que havia um a priori(idealista)capaz de organizar o mundo e a experiência segundo um modelo prévio.Mas nem ele e nem Kant viram as inúmeras chances de constituir um logos autônomo(referenciado a si mesmo),na estética transcendental,em que os juízos sintéticos são elaborados.Ao dizer “ todos os corpos são leves” ou todos os corpos são pesados”,era admissível dizer “ o basilisco existe”,se fosse relacionado com o comportamento humano o qual muda instâncias definidas da sociedade.Como os sonhos do Faraó,os personagens de Shakespeare(ou Balzac ,que Marx tanto gostava).Mais ainda, numa época em que  autonomia do individuo era ampliada,com o protestantismo ,que admitia várias leituras da Biblia,porque não municiar os operários desta capacidade?Porque confiná-los na ciência e no determinismo?Esta oportunidade parece perigosa à concepção de Marx e Engels,ou dependente do advento do comunismo.
Hegel ,na oposição  dialética(portanto legítima em ambos os termos)entre verdade e falso,tinha esta condição,mas cortou-a ao meio com as “ leis da dialética”, o “ logos dialético”.
A autonomia se dá plenamente quando a subjetividade compreende a linha de ligação entre a imaginação(sonhos)e os significados ocultos nela própria.Isto é ,José é decifrado por Freud.Aí juízo sintético imaginativo “ o basilisco existe e é vermelho”,ganha um significado.
E o progressivo incremento da axiologia revela que por trás das narrativas não científicas há valores,que a política(e a economia)devem reconhecer,como saberes sociais que são.
Será que faltou um conhecimento mais profissional a Marx,um conhecimento ,ao menos ,da História da Filosofia?Kant o tinha e não chegou lá.To be continued.


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