sábado, 9 de dezembro de 2017

“Moral Crítica e Crítica moralizante”



Um dos conceitos mais importantes do jovem Marx está inserido no livro A Sagrada Família”” Crítica da Crítica Crítica e é este que está no título:substituir uma critica moralizante por uma moral crítica.
Aqui é um dos caminhos pelos quais Marx poderia ter se conectado melhor com o século XX e reconhecido mais a influência de Kant sobre ele,porque os critérios desta crítica são postos pela filosofia do alemão.Infelizmente ,com o tempo,Marx localizou a solução dos problemas humanos somente nas condições materiais de existência(Ideologia Alemã) e deixou de lado os valores, a  axiologia.
Mas nós podemos (re-)começar daqui um materialismo histórico diferente.Em primeiro lugar ,como nos ensina o marxista Adolfo Sanchez Vasquez existem a Ética e a Moral.A ética corresponde ao ethos,ao comportamento individual,às escolhas individuais e a moral se refere aos valores escolhidos e seguidos em conjunto pela sociedade ou pelos grupos que a compõem.
Assim sendo ao dizer Marx moral crítica está se referindo ao individuo concreto vivo(Ideologia Alemã[outra vez]{parte dedicada a Feuerbach})que considera os valores morais como submissíveis  à crítica(Nossa época é aquela em que tudo pode e  deve ser submetido à crítica[Crítica da Razão Pura{Kant}]).
Todo moralismo é uma ilusão abstrata ,vazia,que busca submeter a realidade social complexa a um modelo,cuja base é o poder.Nisto Marx tem semelhança com Freud(cuja concepção de moralismo aplicada à vida sexual tem um significado repressivo próprio do poder).A regra moral tende a cobrir a sociedade,mas não faz,porque isto é impossível de obter.
Então quando Marx fala sobre uma moral crítica propõe como critério democrático definitivo, anti-repressivo,uma criteriologia permanente deste modelo,que provém comumente da religião,mas passa para o poder de estado.
Também, infelizmente, ele não viu que a busca da superação da exploração fundou um outro modelo,pois que colocou como prioridade a satisfação das carências materiais,sem incluir as espirituais,que não são suspensas pelo processo de luta e realização(revolução),antes correm pari-passu.
De outro lado é preciso reconhecer ,contra Marx e Freud,que,dentro de um critério democrático,existem valores morais que,ainda que não absolutos(o absoluto não existe),são invariáveis(para lembrar uma conceituação de Miguel Reale pai):quero dizer,há uma exigência   de reconhecer que nesta criteriologia ética permanente a idéia de moral impõe uma barreira,qual seja a não predominância obrigatória do desejo individual sobre as reais carências e direitos coletivos.
Na afirmação de Marx se contém um perigo de diluir a moral e é por isto que muitos associam-no a Machiavel,claramente ético,mas não moral( os fins justificam os meios).Se de um lado não há modelo,de outro não há como não ter moral,no sentido de uma escolha axiológica coletiva invariante.
Exemplifiquemos:para superar a exploração não há que defender a supressão da religião ,em seus valores.O fato de Marx,em seus manuscritos econômico-filosóficos de 1844,ter dito a obviedade o sexo é o meio de reprodução da sociedade,não fica autorizada a supressão do celibato e a obrigatoriedade conseqüente do sexo.Marx nunca disse isto,mas seus seguidores construíram uma moral oposta à da religião,em certo sentido,mais repressiva ainda(ou igual),na medida em que o celibato seria uma negação da sociedade.
Este conceito,supostamente defendido por ateus renitentes não é mais do que a repetição ,moral,dos critérios religiosos.Quer dizer, é a permanência, na cabeça de ateus,como Marx talvez,da religião e do tomismo,que seguindo o crescei e multiplicai-voscriou o dogma obrigatório da procriação,apontando a sua divergência como origem de todo comportamento desviante.
A moral críticaé a causa do descaso marxista quanto à necessidade(conservadora)de regras,limites,inclusive jurídicos,que ficam em segundo plano diante da revolução.
Marx fizera uma famosa crítica à filosofia do direito de Hegel,mas com o tempo foi compreendendo menos a juridicidade.Tanto ele quanto Engels sempre associaram o Direito ao nascimento do Estado(Origem da Família,da Propriedade Privada e do Estado[Engels]),esquecendo(por falta de estudo)que a norma está por trás do direito e que ela precede ao Estado e permanece como necessidade social não só derivada dele,mas fundamentalmente da sociedade.
A distinção entre civil Law e common Law era desconhecida por Marx e Engels ,o que os fez não reconhecer o papel do direito,mesmo nas revoluções.
Quando eclodiu a Revolução Russa,a primeira atitude foi deixar as coisas seguirem o seu curso(natural),mas diante da bagunça que sobreveio,os comunistas foram obrigados a organizar a nova sociedade segundo um direito(novo?).E este direito está na base dos processos de Moscou(repressão stalinista).
A moral crítica,pois,parece algo extremamente progressista,mas contém  em sua formulação contradições perigosas que ,depois se revelaram.

sábado, 18 de novembro de 2017

Simbiose entre comportamento liberal e radical



No Capital ,um dos elementos principais da chamada “ acumulação primitiva” é a rotatividade da força–de-trabalho.Marx explica lá que quando os trabalhadores de uma fábrica adquirem organização,e,por isso,força,são mandados embora e contratados outros,do chamado exército industrial de reserva.
Nos tempos atuais,tanto os liberais como os radicais,por motivos diferentes,apostam numa visão abstrata do trabalhador(Robinson Crusoé).
Os liberais criticavam o marxismo afirmando que aquele que é “competente se estabelece”,não havendo motivo para se dar crédito a esta rotatividade.Quer dizer ,a pessoa é mandada embora necessariamente porque de algum modo é ruim ou o merece.
O liberalismo clássico caminhava e ainda caminha por estrada maldita,mas porque os radicais de esquerda,comunistas,marxistas ,vendem também esta idéia?
Os sindicatos foram criados para evitar esta rotatividade e esta é a sua função precípua.Então porque não lutam mais?
Porque a esquerda “moderna”(mais recente)é filha dos processos termidorianos da URSS e no caso do Brasil esta vinculação é mais patente por causa do desconhecimento real dos textos por parte dos militantes.
O impulso revolucionário de mudança só acaba quando as mudanças são realizadas e não quando se toma  o Estado.
A inevitabilidade do Estado na URSS( contra o pensamento de Marx e Engels)criou uma ideologia “ nova”(luckacsiana)da desalienação que ele,Estado,poderia promover representando integralmente o mundo do trabalho.Se o Estado é para o trabalhador e se suas necessidades e condições materiais são “ sempre” ouvidas e satisfeitas,o mesmo encontra a sua realização.
Marx ,Engels e Trotsky sempre afirmaram que o Estado,não podendo representar de fato a  todos,como dizia Stalin, na Constituição de 1937 ,” o estado de todo o povo”,sempre seria de classe e Engels ,reiterava que o que devia sobrar dele era a sua função meramente administrativa.
Com esta ideologia soviética,muitos militantes,no Brasil,entenderam que a sua presença no Estado brasileiro/burguês,para mudá-lo, dava continuidade a esta ideologia e supostamente ao marxismo dos fundadores.
E eu já expliquei ,muito tempo atrás que ,no processo de abertura,desencadeado pelos militares,a criação dos mestrados e doutorados públicos no país,atenderam a um propósito de cooptação daqueles exilados que voltavam.
Premidos estes pelas necessidades pessoais,aceitariam  entrar nesta pós-graduação,inspirada nos Estados Unidos,em que o saber erudito é substituído pela especialização típica do scholar.Estas “condições objetivas” selaram o descompromisso dos militantes com a mudança.
Neste processo ,a diluição do intelectual humanista e erudito, ajudou na formação desta mentalidade liberal ,segundo a qual a pessoa que atinge um determinado patamar é legitima,quando nós sabemos que num estado capitalista /burguês,dominado por interesses,e num país com um tradição histórica de sua manipulação e privatização,isto freqüentemente não é verdade.
Então o radical de esquerda perde esta capacidade crítica,para junto com o liberal,entender a atividade de trabalho sob o regime de classes como uma competição profissional legítima ,isenta de influência política e social.

sábado, 4 de novembro de 2017

A falácia do “ socialismo num só país”.



Seguindo o artigo anterior nós devemos dizer que Trotsky e Stálin viveram às turras,mas no fundo estavam ligados pelo problema essencial da revolução russa,que se dividia em dois aspectos:o primeiro político,quem poderia e teria condições de suceder Lênin e em segundo a necessidade econômica de garantir a continuidade da Revolução.
Neste sentido,com relação ao segundo item, o problema final do “ socialismo um só país” consigna de Stálin que serviu de mote às  acusações de Trotsky consagra esta constatação.
Isto porque ambos estavam dizendo apenas meias-verdades(como é muito comum no bolchevismo).Quando Stálin,contrariando conselhos que vinham desde o tempo de Lênin ,para fazer uma transição,lançou a idéia de que a URSS devia se agüentar e fortalecer, nunca abandonou o conceito de que a revolução no ocidente retornaria e que a União Soviética,por isso,deveria estar preparada.
É sabido que Stálin usou  o princípio de que as potências ocidentais tentariam destruir a URSS para mobilizar o país.Todos os comunistas ,no mundo todo,diziam isto.Prestes aqui no Brasil cansou de dizer.E a existência da URSS  serviu sim de pretexto para as ações que levariam à 2ª Guerra(por via de conseqüência podemos dizer que se a URSS não estivesse lá talvez a 2ª Guerra não acontecesse).
O pensamento de Stálin se coadunava com o   de Trotsky na medida em que o fomento de guerras poderia ser uma centelha para a revolução internacionalista,que é a proposta do marxismo.O domínio sobre os países do leste ,depois da guerra, foi visto como  resultado  desta estratégia.
E mesmo no final da vida de Stálin a noção ,popularizada pelo Instituto Marx-Engels-Lênin-Stálin,de “ Crise Geral do Capitalismo”(Eugênio Varga),não só fundamentou a luta contra o imperialismo,como dava seqüência   ao pensamento de que a URSS não podia ficar isolada.
A independência das colônias quebraria os paises ocidentais e abriria o caminho para a continuidade da “ Revolução mundial”.Era assim que os comunistas raciocinavam naquele período.
O próximo artigo é sobre o primeiro dos itens propostos neste artigo:a sucessão de Lênin.

sábado, 28 de outubro de 2017

O significado da “ coexistência pacífica”



Vejam este vídeo abaixo:


Estas afirmações de Stálin são falsas.De 1917 até 1958-59 a URSS vivia na completa escassez de bens de consumo.Os planos  qüinqüenais ,derivados da venda do trigo da Ucrânia ao ocidente,privilegiavam  a indústria pesada.Esta era uma tendência da época pós queda da bolsa de Nova York,em 1929.
Na URSS de Stálin a “ coletivização pelo alto” consagrou este princípio,às expensas dos bens de consumo.
Ao morrer, Stálin deixou uma quantidade imensa de problemas para seus sucessores:prisões cheias;escassez;e principalmente uma profunda ilegitimidade do regime,se não se modificasse.
Nós vemos pessoas no Brasil,por exemplo,atribuindo o liquidacionismo do comunismo às ações de Kruschev.Que deveria ter mantido as coisas como na época de Stálin(como é hoje na Coréia do Norte,país farol de muita gente aqui no Brasil...).Mas isto era inevitável e era inevitável que se ele não o fizesse a debacle do regime se daria naquele momento mesmo.
O que ele fez?Lançou os conceitos de degelo e coexistência pacífica com o regime capitalista.A idéia de conseguir chegar ao comunismo no Ocidente através dos parlamentos deriva deste último conceito.Degelo significava  libertar os prisioneiros dos campos de concentração,abrandar a censura(o que não foi muito aplicado).
No final de seu governo Kruschev intentou um tipo de multipartidarismo,mas foi apeado do poder pela burocracia criada pelo stalinismo(muito embora ele lhe pertencesse também...).
Mas o que está por trás do conceito de “ coexistência pacífica” é a necessidade do governo soviético de se legitimar diante do povo que já não suportava mais a falta de bens de consumo.Logo depois de lançado este conceito as trocas comerciais da URSS com os EUA se intensificaram,com visitas de missões comerciais estadunidenses.Neste tempo avultou em importância a figura de Anastas Mikoyan,como o negociador da URSS.


Dentro deste contexto é que ocorre o famoso debate da cozinha que pode ser visto neste vídeo:


Por que eu ponho estas questões aqui?Porque é falacioso que a URSS progrediu desde o inicio sozinha,fechada,como eu ouvi tantas vezes,em todos os lugares,inclusive em casa.Isso corrobora o que tenho dito e o que está de acordo com a  teoria do comunismo:não há comunismo nacional,como não há país que possa se isolar,notadamente industrial, e com uma população que busca a modernidade,uma população que não é passiva.
A “ coexistência pacífica”, que sempre foi rechaçada pelas viúvas do stalinismo,é ,veladamente a derrota do projeto comunista iniciado por Lênin em 17.E a posição das referidas viúvas nem por isso é menos derrotada.
A esperança ,e isto ,por exemplo,está no pensamento dos revolucionários cubanos,bem como no dos comunistas ocidentais,que depois se uniriam sob o conceito de “ eurocomunismo” era que a Revolução Mundial se fizesse finalmente e que tirando a URSS do isolamento e de uma possível dependência dos países capitalistas o desenvolvimento em direção ao comunismo se realizasse por fim.
Contudo a tendência que predominou foi a da dependência e esta marcou a vitória ocidental  capitalista sobre a URSS,dentro da estratégia elaborada pelos liberais e a direita,que numa competição extremada com a URSS a conduziu a uma falência progressiva,no tempo de Gorbachev.
Muita gente diz que a liberação dos países do leste por parte da URSS de Gorbachev,que retirou as tropas destas nações, foi um gesto democrático,que acabou favorecendo as “ revoluções de veludo”,mas foi uma resposta obrigatória do líder soviético a uma situação objetiva,que se impunha a ele e a ela.
Hoje os chineses tão citados competem de maneira multifacetada com o ocidente para evitar os erros da URSS.Quando Reagan lançou a iniciativa de defesa estratégica,o  projeto “ guerra nas estrelas”,a URSS não teve mais como acompanhar o ritmo do capitalismo.