Continuando o
artigo anterior e por necessidade de mais esclarecimento,devo falar um pouco sobre
o que realmente é o fundamento do comunismo de Marx,que não começou com ele.
Eu estudei o
Iluminismo alemão na figura de Gothold Ephraim Lessing ,bem como outros
autores,para encontrar as origens do comunismo moderno,sobre as quais já me
referi em outros artigos.
A frase básica
do comunismo é:”De casa um segundo a sua capacidade, a cada um segundo a sua
necessidade”.
Esta frase está
presente na obra de um Morelly,que em 1755,em seu livro “ Code de La Nature”
repetiu uma frase comum aos evangelhos e a outros pensadores do século XVIII:distribuir
a riqueza segundo as necessidades de cada um.Todos trabalham e distribuem o
fruto do trabalho segundo as carências individuais.
Nos Atos dos
Apóstolos 34:32.35 está dito lá:” todos devem trabalhar e em 35 :todos receber
segundo suas necessidades”
Segundo o
comunista materialista Theodore Dezamy em 1842,em sua obra “ Code de La
Comunautè” a frase de Morelly seria a seguinte:
"Fazer
o possível. Tomar o que necessitar presentemente."
Louis Blanc em
sua “ Organisation Du travail” de 1839 usou a expressão:
"De
cada um conforme seus meios, a cada um conforme suas necessidades"
("De chacun selon ses moyens, à chacun selon ses besoins") que é uma
versão modificada de Henri de Saint Simon :
"A
cada um conforme suas capacidades, a cada capacidade conforme suas obras"
("À chacun selon ses capacités, à chaque capacité selon ses œuvres").
E mais,
Ettienne Cabet em sua “ Viagem à Icária” de 1840: "A cada um segundo
suas necessidades. De cada um segundo suas forças" ("À chacun
suivant ses besoins. De chacun suivant ses forces").Esta fórmula foi a que
repercutiu mais na Revolução de 1848.
O
acréscimo de Marx é efetivamente mais profundo,mas a sua filiação é claríssima.
Eu
procurei no último livro de Lessing “ A educação da Raça Humana”,uma frase
semelhante e não encontrei,mas é óbvio que em toda a sua exposição ele chega à
conclusão de que no desenvolvimento mental da humanidade,a tendência é se
relacionar com Deus pela prática e que as ações práticas,sociais devem
consagrar uma justiça divina não-idolátrica,mas real ,em que cada um recebe
aquilo que é necessário para viver,de forma equânime,numa visão de comunidade
comunista,que seria o fim da História da humanidade.
A última
encarnação desta frase é o que diz Marx na “ Crítica ao programa de Gotha “ de
1875: "Na fase superior da sociedade comunista, quando houver desaparecido
a subordinação escravizadora dos indivíduos à divisão do trabalho e, com ela, o
contraste entre o trabalho intelectual e o trabalho manual; quando o trabalho
não for somente um meio de vida, mas a primeira necessidade vital; quando, com
o desenvolvimento dos indivíduos em todos os seus aspectos, crescerem também as
forças produtivas e jorrarem em caudais os mananciais da riqueza coletiva, só
então será possível ultrapassar-se totalmente o estreito horizonte do direito
burguês e a sociedade poderá inscrever em suas bandeiras: De cada qual, segundo
sua capacidade; a cada qual, segundo suas necessidades”,
"(...)
ainda abstraindo totalmente a escravização geral que o sistema do salariado
implica, a classe operária não deve exagerar a seus próprios olhos o resultado
final destas lutas diárias. Não deve esquecer-se de que luta contra os efeitos,
mas não contra as causas desses efeitos; que logra conter o movimento
descendente, mas não fazê-lo mudar de direção; que aplica paliativos, mas não
cura a enfermidade. Não deve, portanto, deixar-se absorver exclusivamente por
essas inevitáveis lutas de guerrilhas, provocadas continuamente pelos abusos
incessantes do capital ou pelas flutuações do mercado. A classe operária deve
saber que o sistema atual, mesmo com todas as misérias que lhe impõe, engendra
simultaneamente as condições materiais e as formas sociais necessárias para uma
reconstrução econômica da sociedade. Em vez do lema conservador de: "Um
salário justo por uma jornada de trabalho justa!", deverá inscrever na sua
bandeira esta divisa revolucionária:´Abolição do sistema de trabalho
assalariado!´".
Recapitulando,com
o que eu já disse nos meus artigos:diante da primeira onda industrial,cujo
ápice foi 1750(Hobsbawn,” A era das revoluções”)ficou transparente para todos
que a capacidade produtiva do ser humano era infinitamente exponencial(a nossa
era ecológica desmente um pouco isto)e que a razão pela qual o homem vivia numa sociedade de classes era a escassez.
Em
priscas eras,a dificuldade de produção de bens para toda comunidade primitiva a
manteve neste nível de igualdade comunal.Contudo,havendo um excedente,uma “
produção”,já foi possível discutir quem deveria receber o quê e em que
quantidade.Até este século XVIII,da exponencialidade,a questão das necessidades
de cada um não era colocada,porque ,embora houvesse um excedente,este não era
capaz de suprir a todos,numa escala de tempo
muito extensa.Então este excedente foi
tomado pelas classes militares,as aristocracias aliadas e o setor
ideológico da religião.
Ao se
colocar diante de novas possibilidades viu-se que superada esta escassez a
sociedade de classes,calcada numa divisão de trabalho(injusta)não haveria mais
necessidade destas diferenciações.Ponto.
Isto é
uma verdade,mas não uma verdade logicamente inevitável,uma lei do
desenvolvimento da sociedade.Isto é uma constatação.Em torno dela
teorias,pretensas ciências, se colocaram para entender a sociedade e defender o
seu inevitável caminho em direção à
sociedade comunista.
Eu
abordarei os outros autores proximamente.O que me interessa é o mais notório
deles,Marx.
Para Marx
a construção desta sociedade comunista deriva de leis dialéticas do
desenvolvimento da sociedade.E mais do que isso a sociedade que engendra as
condições para se chegar a ela deve ser repelida,como uma sua barreira.Que barreira
é esta?
Conforme nós vimos nas citações acima o modo-de-produção capitalista supera todas as barreiras feudais que impedem a produtividade imensa da indústria ,mas acrescenta uma outra,própria dela:a exploração capitalista que aliena o homem produtivo,operário,em favor de uma classe ,a burguesia,em favor dela própria.Os produtos do trabalho são vendidos no mercado na capitalista em função do lucro que mantém a burguesia,a qual não devolve aos verdadeiros produtores ,aquilo que eles fizeram,no que se chamou de alienação.
Conforme nós vimos nas citações acima o modo-de-produção capitalista supera todas as barreiras feudais que impedem a produtividade imensa da indústria ,mas acrescenta uma outra,própria dela:a exploração capitalista que aliena o homem produtivo,operário,em favor de uma classe ,a burguesia,em favor dela própria.Os produtos do trabalho são vendidos no mercado na capitalista em função do lucro que mantém a burguesia,a qual não devolve aos verdadeiros produtores ,aquilo que eles fizeram,no que se chamou de alienação.
Os
operários,os trabalhadores,os produtivos,enganados por formas de consciência
social puramente ideológicas e falsas,não lutam contra esta exploração,mas a acham
natural.O movimento comunista e a ciência que o informa,devem(de fora para dentro)adquirir
consciência da alienação e ,através de uma revolução,superá-la,bem como a
exploração.
Mas,dentro
de uma visão dialética,dir-se-ia “ objetiva”,é preciso que o capitalismo se
desenvolva ao máximo produzindo cada vez mais
e criando cada vez mais uma classe operária produtiva e majoritária que
seja capaz de fazer esta mudança qualitativa.
Aqui já
tem um qüiproquó:este movimento é inevitável ou depende de uma tomada de
consciência?A resposta só pode vir de uma dialética que une os dois momentos,mas
mais do que isto, a classe produtiva tem a possibilidade de tomada de
consciência do problema ao criar as condições materiais para fazer esta
mudança,não antes da revolução,mas depois dela(Lênin).
Tendo já
demonstrado os problemas que esta visão voluntarista de Lênin cria,o que
procuro fazer é,voltando aos fundamentos filosóficos do comunismo,entender a
sua suposta necessidade.
A questão
da alienação
O fulcro
do problema é que ,derivando do Prefácio de 1857,Marx entendeu que a
infraestrutura econômica funda a superestrutura das idéias que separam o
trabalhador do movimento de libertação.
As
conquistas da filosofia,dos saberes sociais,revelaram que a superestrutura não
é mero reflexo da realidade econômica,mas uma produção
social,independente,cultural,que transcende(Kant)os problemas especificamente
materiais.
Então,se
nós levarmos ao pé-da-letra,acriticamente,o pensamento original de Marx, nós
teremos que chegar à conclusão de que
toda a cultura,toda a existência sob o capitalismo é
inautêntica,ilegítima,posto que resultado do processo geral de exploração e de
alienação.
Se o
trabalhador,eu pergunto,toma consciência desta alienação,ele continua alienado
ou não?Numa apreensão da inevitabilidade do comunismo como solução disto
tudo,temos que dizer que ele continua alienado,inclusive Marx,numa existência
inautêntica.
Na
descrição feita por Marx do comunismo,na “ Ideologia Alemã”,somente quando os
trabalhadores tiverem o acesso real a todos os bens produzidos socialmente,é
que serão livres de toda exploração e toda alienação.Quando qualquer um puder
usufruir de qualquer coisa,fazer qualquer coisa ,aí a existência ganharia
autenticidade?
Como
imanentista(como todo materialista) a resposta de Marx parece ser positiva.Mas
a verdade é que não é,ele afirmando ou não.Posteriormente tratarei mais
profundamente da questão da alienação,mas como conclusão ou premissa(conclusão
em relação a este artigo e premissa de futuros)é lógico que esta visão de Marx
está ultrapassada,pois as idéias guardam autonomia e a vida individual autônoma
do sujeito não é resultado desta lógica dialética do desenvolvimento humano.
Para o
ortodoxo isto funda um egoísmo,mas a realidade da existência é que há uma
discrepância entre a vida autônoma do sujeito e a vida social,uma autonomização
crescente.Se é verdade que isto funda um egoísmo,por outro a história e o
tempo expressaram que o processo
revolucionário não é tão inevitável assim e que os ganhos dos produtivos,no
interior da sociedade capitalista, valem por si próprios e garantem uma
existência autêntica,na medida em que as
promessas totais da sociedade comunista,não são,nem psicologicamente,condição
desta autenticidade e até mesmo do bem viver.
O que fazer
se a revolução não é inevitável?Viver no pecado do egoísmo ou entender que a
vida produtiva,material e culturalmente falando,ajuda o progresso?O cidadão
deve,como socialista, se sentir culpado,como um católico se sente?
Esta é a
razão do fenecimento das revoluções no ocidente.Até certo ponto a consciência
da alienação desaliena e somente existe alienação no plano concreto,razão
porque Marx,sem abandonar a alienação em geral,falou em fetichismo da mercadoria no final da vida e depois de “ O Capital”.
Contudo é
preciso dizer:a autonomia das idéias e do sujeito puseram por terra o edifício ortodoxo de Marx.Mesmo os próceres da segunda
internacional,que enveredaram pela inevitabilidade do comunismo,como
decorrência do desenvolvimento do capitalismo,erraram.
Então o
que sobra?
Sobra o
fato de que a elevação exponencial da capacidade produtiva da sociedade é real,mas
ela só será possível numa sociedade educacionalmente evoluída,homogênea quanto
aos seus objetivos.O que ainda hoje excita a imaginação dos militantes em
direção ao Marxismo é a constância e
aumento das crises do capitalismo analisadas e previstas por ele,mas no que
tange à sociedade comunista ela só é factível se as condições objetivas e
subjetivas estiverem presentes.Senão as violências se repetirão.
Marx,antecipando
Lênin,admitia que para chegar ao comunismo era preciso muita violência sobre os
setores atrasados e contrários da sociedade capitalista.Após os crimes do
século XX,esta visão não vai prosperar e não deve.
E eu
ainda aduzo uma outra questão decisiva,que foi percebida por Deng Xiao Ping e
os chineses,que são citados no ocidente de forma falsa e mal compreendida.O
princípio de um “ país e dois sistemas” vai de encontro a um valor muito
favorável ao capitalismo:nenhum regime universal na História angariou unanimidade
absoluta,mas a escolha é algo de que o homem não tem como se arredar.Este é um
tema para um outro artigo,mas a questão é esta:será que a utopia não é esta
escolha?