o
comunismo é criação da tradição judaico-cristã
Eu
fico ouvindo certos comentaristas,pelas radios aí,anticomunistas,e
mesmo radicais de esquerda,novos ou velhos e percebo que ninguém
,até hoje,sabe o que é a proposta comunista criada nos dois
primeiros séculos do cristianismo,no tempo das prédicas de São
Paulo,que afinal, era comunista!São Paulo é um dos criadores do
comunismo.
Esta
visão cristã primitiva(no sentido de primeiro)passou pela filosofia
e pela politica do ocidente durante séculos e chegou ao periodo do
Iluminismo Alemão(aufklarung[esclarecimento]) e se tornou um projeto
para a humanidade ,a partir da observação que este
iluminismo(porque não foi só o iluminismo francês)fez do
crescimento exponencial da riqueza ,no industrialismo inglês.
O
principio básico do comunismo,no sentido próprio do termo,é aquele
da comunidade primitiva cristã,que por sua vez,dava
continuidade,mais ou menos,ao comunismo primitivo das sociedades
pré-históricas.Nestas,no entanto, a divisa “ de cada um segundo a
sua capacidade,a cada um segundo a sua necessidade” não era
homogêneo,não se aplicando a todas as comunidades.
As
comunidades primitivas são muito idealizadas.Neste aspecto a
direita tem uma certa razão:não é verdade que o indio tenha “
consciência ambiental”.Muito pelo contrário,ele depredou a
natureza e foi responsável pela extinção de muitos animais.Não é
verdade que não houvesse crueldade ou tortura nestas
sociedades.Indios americanos praticavam tortura para intimidar
adversários e inimigos.Em certas comunidades primitivas os
velhos,que não prestam para nada supostamente,são abandonados em
locais escolhidos para simplesmente morrer.E aqui no Brasil há
indios que deixam suas crias morrer ,por impossibilidade de criação
ou por motivos religiosos.Abandone-se toda a idealização aqui.
No
cristianismo primitivo,que não era muito diferente da organização
material das comunidades primitivas,mas com um nivel cultural e de
consciência maior,o princípio da solidariedade,pelo menos ,no
discurso,supera esta heterogeneidade de comportamento primitivo.
Aquele
que pode oferecer mais ao outro oferece ,se iguala a ele ,no interior
da comunidade.Por este principio de solidariedade,no discurso
,ninguém é excluido.
Quando
Lessing e os iluministas alemães tomaram conhecimento destes valores
o incorporaram a uma ideia de comunismo que deveria se adaptar à
nova realidade da primeira onda industrial,cujo ápice foi em
1750(Hobsbawn).
Se
o ser humano era capaz agora de produzir quase infinitamente os bens
que lhe são necessários para o bem viver,porque não pensar num
comunismo que fosse apto a dividir estas imensas riquezas
fraternalmente entre todos?Afinal ,a escassez havia sido superada e
não fazia sentido só alguns terem estas benesses.Lessing era
comunista!Mantendo o princípio de solidariedade cristão ,pensava
ele ,era possível dividir entre todos e elaborou a divisa,que
reverberou em Marx um século depois:” de cada um segundo a sua
capacidade,a cada um segundo sua necessidade”.
Uma
ideia que podia ser aplicada na família e na sociedade,mas que
esbarra em problemas de todos os niveis.
Se
a sociedade é exponencialmente produtiva esta produção podia ficar
permanentemente à disposição dos indivíduos,o que acabaria com
as diferenças de classe ,que geram todas as outras
barreiras,supostamente.Tanto o rico quanto o pobre(que já não
é)receberiam a mesma coisa e igualados ,as suas diferenças
despareceriam,abrindo possibilidades de relacionamento humano e
não de classe(as classes desumanizam).
E
neste contexto, este estado de classe ,que garante esta
divisão anti-humana deve desaparecer e dar lugar a uma estrutura
administrativa somente,como dizia Engels,na polêmica com o
anarquismo.Não era um estado no seu significado próprio,mas só um
mecanismo de distribuição dos bens e garantia do quê?...Vamos
deixar esta dúvida,por enquanto.
Lênin,pouco
antes de “fazer”a “Revolução Russa” escreveu um livro
importantíssimo sobre estes assuntos “O Estado e a Revolução”,no
qual cita trechos da obra de Marx,como “ A guerra civil em França
“ de 1871(sobre a Comuna de Paris),nos quais fica clara a
incompatibilidade entre um Estado inflado e forte e invasivo(para não
dizer totalitário)e o comunismo.
Conhecendo
intelectuais marxistas,como eu conheço,sempre
querendo(platonicamente)intervir na prática ,tenho certeza de que
Marx e Engels estariam em 1917.Não resistiriam em participar,mas era
obrigatorio para eles repudiar o stalinismo e seu estado
totalitário.Se continuassem, estariam em contradição com o que
disseram a vida inteira e seria ou loucura ou oportunismo cinico.Se.
Também
me choca como Lênin,tendo analisado estas obras fundamentais de Marx
e Engels ,tivesse intentado esta precipitação que foi a Revolução
na Rússia.Mas levando em conta as premissas do parágrafo
anterior,admite-se uma certa esperança excessiva,um certo desejo
excessivo em 1917,diante das oportunidades que estavam à sua
frente(guerra mundial,esfacelamento do czarismo).Mas ,depois,com a
crescente e inevitável burocratização do Estado Soviético,era
exigivel no minimo que ele percebesse os problemas óbvios de se
construir o comunismo num país como a Rússia.E não foi por falta
de aviso:Plekhanov,os mencheviques e Martov(lider destes últimos),se
colocaram contra esta revolução e a história lhes deu razão.Isto
sem falar nos avisos dos austro-marxistas e da II internacional.
No
mesmo texto sobre a Comuna ,Marx diz que o socialismo era só uma
fase curta,para mobilizar a todos no intuito de produzir
exponencialmente e obter os bens para distribuir igualmente por
todos.Para criar o comunismo e mantê-lo em pé,evitando o retorno à
escassez.Era preciso admitir a igualação de todos neste
propósito,mas que deveria ser limitado aos objetivos. A continuidade
infinita do socialismo,sem a perspectiva próxima do comunismo,era
ilegitimo.E é.Pois manter igualados seres desiguais por
natureza,como são os homens é perpetrar injustiças.Hannah Arendt
tem razão em associar Marx com Locke,como fez Hannah Arendt em “A
Condição Humana”.
E
foi isso o socialismo real,que é só uma extensão infinita deste
periodo transitório.Eu,na condição de comunista jovem,me incluia
entre aqueles que pretendiam preservar o socialismo,até que a
revolução mundial ocorresse(principalmente depois da revolução
cubana) e tirasse a URSS e o socialismo real do isolamento,acabando
por tabela com o seu caráter ditatorial.Se os outros povos ajudassem
o socialismo real,este perderia este seu caráter ,porque a ditadura
socialista era para manter as conquistas até que o comunismo
viesse,com a sua plenitude produtiva.Esta plenitude dissolve a
ditadura.O totalitarismo do socialismo real se sustenta por sobre a
penuria reproduzida pelo estado totalitário,mas criada por uma
revolução mal fundamentada.
Mas
sem o horizonte da utopia socialismo nenhum é legitimo e é por
isto que eu digo que o socialismo real acabou e não deve
voltar.A insistência nele,por parte da esquerda mundial(incluindo a
Internacional Progressive)é o que está levando a direita a se
estabelecer.
Pelos
textos de
Marx e Engels não há como culpá-los do socialismo real;todavia,há
alguns elementos do pensamento de ambos que induzem a
relacioná-lo(ver dúvida acima) com um humanismo idealizador não
necessariamente ideológico(como consciência falsa[oposta à
ciência]),contra a visão(cientificista)de Althusser:se o
comunismo,como está na Ideologia Alemã e nos seus fundamentos
históricos passados,torna todos iguais em termos
materiais(espirituais e culturais é outra coisa),construindo assim
uma comunidade identificada com o ser humano,é porque Marx( e
Engels)admitiam uma humanidade,um princípio abstrato e ideal de
humanidade,que não teriam abandonado na fase madura de sua
contribuição.Isto acabaria com a distinção entre o jovem e o
velho Marx,a favor de Althusser.Mas ela se mantém,em outros termos
diferentes, dos postos por este último,na medida em que as questões
culturais e espirituais poderiam e deveriam ser desenvolvidas por
Marx (e Engels),se (se)reconhecessem que as ideias guardam autonomia
na vida social.Não é que os dois fossem pavlovianos,mas deixaram
uma lacuna que permitiu a seus continuadores entender a
superestrutura como mera “ expressão” da infraestrtura
econômica.E assim em outros passos da aventura de Marx e seu
companheiro de viagem.
Neste
projeto humano há uma desautorização da desqualificação de
qualquer classe ,inclusive,a burguesia,como anti-humana.O que está
de acordo com o prefácio de Marx à primeira edição de O Capital
em que ele distingue bem a figura pessoal do capitalista de seu papel
na engrenagem.Este “ local” do pensamento marxista,deriva da
discussão anterior e prévia sobre o humanismo:o papel do
capitalista é anti-humano,mas ele só o é na medida em que interage
com este papel.Se(se)este papel é inelutável,esta distinção cai
por terra e todas as violências praticadas contra a burguesia(por
vingança contra as da burguesia contar os trabalhadores)são
justas.Todo o esforço de caridade,de ajuda,de reconhecimento dos
direitos dos trabalhadores não justifica tratá-los bem.Não adianta
George Soros ler Marx,porque na hora H ele será massacrado!Esta
contradição no pensamento de Marx(e de Engels),entre um humanismo
projetado na utopia e realidade concreta parece ser solucionada
quando Marx et al,resume a sua teoria da violência no direito da
maioria trabalhadora de suprimir a minoria exploradora(quem?quem?). A
violência se justifica pelo bem posterior de colocar o explorador
numa condição melhor do que ele estava.Da desumanidade ele “
evolui” para a humanidade.Parecem aqueles discursos de Bush filho e
João Figueiredo de levar a democracia aos outros na marra.
Contudo
há esta contradição sim ou antes um distúrbio,um ruido neste
discurso todo,que a meu ver só se desata com o existencialismo.Eu
falarei disto num outro artigo,que este já se prolonga.
Eu
vou bater nesta questão do comunismo,mais e mais vezes em vista
destes erros propositais ou não,de setores da midia,que insistem
erradamente em identificar o comunismo com o estado e o socialismo
real.Mas não só setores de direita.Setores de esquerda mal
fundamentados (grande maioria)também.Quanto mais comunismo,menos
estado.