No
primeiro volume de “ A Ponte” eu me referi,citando Popper,que a dialética
objetiva não existia e mostrei lá as razões.Engels ,ao se preparar para
escrever a “Dialética da Natureza”,em alguns de seus cadernos,falava na “ trama
das categorias”,ou seja, da relação entre as categorias,que são geralmente
relacionadas a partir de antinomias ou
dicotomias,como forma e substância(que vêm de Aristóteles),forma e conteúdo(uma
adaptação materialista moderna[porque a substância é algo intangível]);aparência
e essência(uma outra adaptação de Aristóteles),quantidade e qualidade(derivada
da físico-química).
Estas
“ categorias” estariam interligadas,inclusive no “ Capital”.
Eu
até há pouco tempo achava que no plano da biologia ainda era possível falar em “
Aufhebung”,assimilação/superação,mas já não acreditava(a palavra é esta) na
trama das categorias,como já demonstrei usando o exemplo clássico de Engels da
vaquinha e da flor.Hoje nem a aufhebung na natureza se sustenta.
Observemos
o lindo quadro de Almeida Júnior “ A Fuga para o Egito”
Dentro
do esquema dialético a tese poderia ser:Tese: São José, a antítese Nossa
Senhora e a síntese o menino Jesus.Poderia ser o contrário,começando de Nossa
Senhora.Mas ,comparativamente,um casal estéril não seria capaz de produzir a síntese,então a aufhebung objetiva,natural,fenece,como
critério “ absoluto” natural.
Sartre
,seguindo Kant,é quem tinha razão:a dialética é um produto da consciência.Na
esterilidade a adoção provê a síntese como decisão consciente e voluntária do
casal,que consegue se completar por uma decisão “ espiritual”,espiritual não no
sentido religioso mas no de “ lebenswelt”,mundo da reprodução simbólica” ou
mais precisamente “ mundo da vida” no dizer de Husserl.A vida é movimento de
afirmação,de decisões assertivas que lhe dêem continuidade e bem-estar.Não
prazer,bem-estar,glorificação ou afirmação permanente do seu sentido
afirmativo.
A
dialética,como demonstrada na “Ciência da Lógica”,matriz do manualzinho
stalinista “ Manual de Materialismo Dialético”,é pura ficção, arbitrária até.
Hegel
mesmo,conforme Leandro Konder cita em seu livro sobre a “ Dialética”,sentia
verdadeiro pânico dela,porque não sabia como harmonizar as “ leis da dialética”
com o “ movimento dialético em si mesmo”.
Em
artigo próximo eu falarei sobre como ele poderia ter deslindado este
nó,analisando um dos capítulos de “ O Discurso Filosófico da modernidade” de Habermas.
O
manual stalinista aliás tem muito mais a ver com São Tomás de Aquino do que com
Hegel,embora a metafísica toda o tenha(incluindo Marx[Benedetto Croce diz que
Marx é metafísico]),como sistema fechado,lógico e identificado com a natureza.E
a natureza servindo de modelo social(outro tema para os próximos artigos).
Em
meu pensar Marx teve várias oportunidades para construir algo além da “lógica
dialética”,mas foi induzido a erro principalmente na leitura superficial que
fez da “ Filosofia do Direito de Hegel”,aplicação pura e simples da dialética.
Na
sua famosa inversão da dialética idealista para a materialista,Marx continuou
com os mesmos problemas da dialética hegeliana,acreditando(a palavra é esta)que
se Hegel partia da idéia da dialética para aplicá-la à realidade natural e
social(inter-relacionados)o que se devia fazer é identificá-la como o movimento próprio das coisas.
Como
Leandro Konder gostava sempre de frisar,em vez de tratar das “coisas da lógica”
Marx intentou cuidar da “ lógica das coisas”,mas persistiu, sem o saber, no erro.É
conhecida a afirmação de pé de página de Marx na sua “ Crítica à Filosofia do
Direito” sobre se “ Hegel não terá farejado alguma coisa do materialismo
histórico” nesta obra.
O
sistema jurídico estatal de Hegel,baseado no sistema de carecimento da
sociedade civil burguesa,a primeira totalmente interligada ,parece ser um
modelo perfeito e fechado de dialética,objetiva,mas a sociedade não é
modelada,como puro reflexo,pela natureza,tendo os seus critérios autônomos.
O
fato ,como diz Marx nos “ Manuscritos de 1844”,de a condição de reprodução da
sociedade ser a reprodução sexuada não a torna o modelo dialético da sociedade,porque,como
vimos, a lei da aufhebung não é absoluta.
Da
mesma forma que ela ,a sociedade, só surge pela reprodução biológica,esta não é
um modelo absoluto de comportamento social legítimo,porque a esterilidade,como
outras impossibilidades de reprodução ,mas eventualmente presentes na
natureza,é suprível por decisões espirituais autônomas e transcendentes,tão
autênticas como as que supostamente a natureza “ prescreve”(se prescreve”).
Nestes
erros de Marx e Engels estão os fundamentos de alguns moralismos cientificistas
e stalinistas do nosso tempo.Estão alguns fundamentos de comportamento
desviante a ser reprimido.
É
como dizia Carlos Haroldo Porto-Carrero:” A metafísica é enxotada pela
porta,mas volta pela janela”.