Assim que assisti a uma entrevista,na internet,do presidente Joaquim Alberto Chissano,que substituiu Samora Machel,em Moçambique,fiquei bastante motivado a escrever este artigo que muito tem a ver com as preocupações dos meus textos.
Lá ,nesta entrevista,perguntado pelo jornalista sobre a eventual culpa atribuida por muitos historiadores ao processo de libertação de Angola e Moçambique, pela queda da URSS(e do socialismo real),ele negou,afirmando o que muita gente afirma:a URSS não sobreviveu porque ela se alçou sobre a sua base material sem poder expandi-la.Citando Marx ,Chissano diz que esta é a condição de sustentação do regime socialista.
Eu não vou discutir neste artigo as concepções de Marx sobre socialismo,coisa que eu tenho feito em outros textos e eu os reporto para eles.Mas num aspecto a citação de Chissano faz sentido:a base material ampla é a condição objetiva do socialismo e do comunismo.Eu acrescento condições subjetivas também ,mas não é o caso aqui de se tratar.
Jornalistas e historiadores se desdobram em mostrar que a sustentação do leste europeu,da libertação africana e de outras frentes de libertação(como na Ásia,no Vietnam[que não foi tanta assim])causou a queda da URSS e do socialismo real.
Um jornalista português,José Milhazes, publicou um livro intitulado :” Angola,começo do fim da URSS” e nele expõe uma série de estatísticas comprobatórias.
Cada um destes pesquisadores tem razão em atribuir responsabilidade ao sistema que a URSS sustentava.Joaquin Chissano completa a sua análise do fim do socialismo real com a seguinte assertiva:” a URSS foi destruida de fora(diria eu,pelo capitalismo)”.Mas eu acrescento:de fora sim,mas porque de dentro também.Explico.O sistema socialista,a fase prolongada e extendida do socialismo(contra o pensamento de Marx),não tinha como prosperar desde o inicio,desde Lênin.
A URSS não tinha como trazer para si os recursos dos outros países,mesmo Angola e Moçambique ,para ampliar a sua base material e ora esta,dentro do pressuposto do internacionalismo não tinha sentido construir o comunismo soviético(se era possível dadas as circunstâncias)em detrimento de outros países.
Quando Moçambique se liberou é sabido que progressivamente Samora Machel se distanciou da URSS,que não tinha mais condições de ajudar.Mas não por causa só da África, por causa de tudo . De todo o apoio que ofereceu.
É claro que historica e politicamente isto é um ponto a favor da URSS e do socialismo,que ajudaram a destruir o neo-colonialismo e a libertar povos oprimidos,mas ,entre outros fatos, contribuiu para o fim do socialismo.
O ponto histórico nodal ,como eu venho explicando anos a fio,é a ascensão de Kruschev ao poder na URSS,em 1956.Kruschev não teve alternativa senão fazer o degelo e comerciar com os Estados Unidos ,porque o povo soviético não aguentaria mais repressão regada a falta de recursos,incluindo alimentos.Houve racionamento na URSS desde 1917 até Kruschev.
Foi neste momento que apareceu o terceiro mundismo.O terceiromundismo veio daí e da atividade politica do Marechal Tito,que sabendo destes problemas teóricos do socialismo,procurou se separar da URSS,causando fúria em Stalin.Apareceu também o eurcomunismo.
Estas tendências responderam à necessidade prática de Kruschev de legitimar o governo comunista.Stalin não aceitava de forma alguma que houvesse uma revolução mundial sem a liderança da URSS,porque se ela saísse do isolamento o poder dele desaparecia,porque o stalinismo já não é comunismo,stalinismo é stalinismo ,uma modalidade de chauvinismo grão-russo ou nacional-socialismo.Algo que não se identifica com o czarismo,mas que se apóia nas suas práticas.
Com a coexistência pacifica Kruschev deixou aos outros partidos comunistas a tarefa de espraiar o comunismo,inclusive pelos parlamentos,negando em parte as colocações de Lênin na “Doença Infantil”.
Mas a direita também fez a sua leitura de tudo isto.Um dos dissidentes mais importantes destes anos foi Serge Amalrik,que em seu “1984:resistirá a URSS até la?” resumiu o pensamento da direita de 1956 em diante:a URSS foi se tornando progressivamente mais e mais dependente dos Estados Unidos e isto só poderia ser evitado se o isolamento da URSS fosse superado,pela vitória do terceiro-mundismo e do eurocomunismo.Então a direita combateu os comunistas na Europa,no terceiro mundo e pressionou de diversas formas,inclusive econômicas,a URSS.
Até a invasão da Tchecoeslováquia foi este o panorama.Depois de 68,a esquerda sem chegar ao poder e o terceiro-mundismo seguindo caminhos próprios,mudou tudo para o que se convencionou chamar de detente ,uma contenção de ambos os lados.A detente acabou com a invasão do Afeganistão,provocada pelo ocidente e os Estados Unidos.Mas esta provocação estava dentro do desenho estratégico que vinha de 56,pondo a detente no seu devido lugar de mero interregno.
O que fez o ocidente foi empurrar a URSS para o abismo e certamente as despesas que ela teve com o campo socialista ajudaram nesta queda,mas não foi por causa disto,foi porque os fundamentos do socialismo real estavam errados,inclusive ao arrepio dos textos e da teoria.
Os remanescentes defensores do socialismo real e de sua volta(URSAL)não vêem esta realidade.O socialismo não tem Meca,ele é policêntrico e não prescinde,dentro de seu internacionalismo ,do primeiro mundo,desta balança EUA/URSS.
A leitura que fiz dos arquivos da III Internacional provam que o comintern desejava uma revolução nos Estados Unidos para viabilizar a revolução internacional e é este o ponto central que se coloca hoje,para impedir que o fracasso do passado se repita.
O modo como a China age hoje só é explicável pelo que ela aprendeu com estes erros do passado:a competição simétrica da URSS com o ocidente ,ajudando estes países todos,acabou por levá-la ao fim,ao empurrão.Os chineses travam uma competição assimétrica,buscando outros setores para empurrar o ocidente e os Estados Unidos.O modo como a China age garantiu até agora esta capacidade de enfrentamento,mas eu vaticino que,como a URSS,a China é um gigante de pés de barro.
Assim como a URSS parecia uma estrutura de Oscar Niemeyer sustentada por colunas de madeira a China padece de um problema irresolúvel no plano do socialismo real:quando um país socialista se abre para o capitalismo ele corre o risco de criar inevitavelmente uma burguesia e uma classe média.
Quando possuia a idade de 19 anos Deng Xiao Ping foi mandado para estudar com Trostsky na URSS.Trotsky identificou este problema criticando a NEP de Lênin,que,no fundo é o programa antecessor de todos estes sistemas de socialismo real com aberturas para o capitalismo.
A classe burguesa ,incrustrada no socialismo ,se adapta em qualquer lugar ,em qualquer regime.O socialismo chinês é capitalista para o exterior ,onde esta classe de abonados chineses,consome e municia a China de recursos.
Dentro do país o controle socialista tradicional continua,mas quando ,na década de 80 do século passado ,se permitiu a formação de uma pequena classe média de produtores,esta classe protagonizou os protestos reprimidos violentamente na Praça da Paz Celestial.
Toda classe média é nacional e por isso autóctone.Ela consome no país e é responsável pelo seu crescimento e manutenção do equilibrio econômico e politico,junto com a classe operária.Mas além do consumo e por causa dele a classe média exige liberdades públicas,pois ela não vai comprar um televisor de último tipo para ver só os lideres do partido comunista .Não vai comprar um notebook top de linha para não poder acessar a internet ou não ter como montar um negócio.
Para mim é inevitável que uma classe média assim apareça.Na verdade ainda que ela não esteja aí,as condições econômicas ,sociais e objetivas o estão e pressionam.O que a China faz é dar capacidade de consumo de classe média a amplos setores da população(Dilma copiou aqui) e isto já é uma pressão.
O dia em que esta pressão for insuportável,com as condições obejtivas extrapolando,não haverá partido comunista que aguente.Quer dizer a China,em última instância,passa pelos mesmos problemas que a URSS,apesar de tudo,apesar de sua propalada previsibilidade:o seu afã obsessivo de acumular(acumulação socialista)vai contribuir também para isto,porque ou a China investe em seu mercado interno,precisando de uma classe média consumidora ou terá que de alguma forma vender no exterior,como já faz.Contudo esta lógica acabará por deslegitimar o poder do estado,porque os chineses exigirão consumir.E isto sem falar da incapacidade da China em tirar os 200 milhões de abaixo da linha de pobreza.
Esta infantilidade de alguns radicais que acusam o capitalismo de ser o culpado do fim do socialismo real é uma bobagem muito grande,porque óbvia.Tem criança que acha que por causa da ciência e da moral o capitalismo deveria aceitar o socialismo.Só infantilidade ,mas que muita gente vai extrair da fala de Chissano:se o socialismo fosse forte não adiantaria empurrá-lo.