Em face da repercussão de meu artigo sobre o bastardo de Marx,preciso fazer alguns esclarecimentos e aprofundamentos.
Muita gente achou que eu não deveria ter me intrometido em questões tão pessoais e realmente não sou de fazer isto nunca,porque não gosto que façam o mesmo comigo.
Mas é evidente que eu fiz este artigo pelo significado histórico de Marx e usei o mesmo critério para falar ,por exemplo,de Garrincha,com repercussões desfavoráveis também.
Ninguém é obrigado a ser exemplo de nada e tem o direito de proteger ,sob anonimato, a sua vida pessoal,mas é impossível para uma figura pública não ser julgado por seus atos e quer queira ela ou não as pessoas a usam para se orientar nas suas atividades,quero dizer as pessoas comuns.
Estas pessoas comuns vinham aqui no meu blog falar sobre as virtudes de Karl Marx,as suas imensas qualidades e “ vendem” isto como prova da justeza daquilo que ele defendeu e propôs.
Ora,tal atitude é ,no minimo,infantil.O conhecimento transcende a figura individual.Todo materialista monista se embota nesta incompreensão,na medida em que não vê que há uma distinção entre a pessoa do criador, do intelectual e do cientista e a sua obra.
Aliás recebi críticas por meus artigos contra Stalin e por meus supostos elogios a Locke.Alguns radicais me jogam na cara(como se eu não soubesse)que Locke tinha escravos,como se isto iniviabilizasse o seu pensamento liberal e legitimasse de pronto e de plano a visão igualitária dos comunistas.
Espirito de partido(sucedâneo de jacobinismo)na história e na vida é puro delirio.É como se fosse possível em qualquer época o homem,por um ato de vontade ,encontrar a verdade das coisas e mudar o mundo a partir dela.Eu canso de criticar Stalin ,mas analiso de forma escrupulosa os seus textos.
Às vezes se juntam a personalidade e a obra de alguém,às vezes não,mas a postura do pesquisador é distinguir as duas coisas.
Eu poderia usar um principio de transcendência,de que eu falo tanto,para tratar da desigualdade natural dos homens sem citar Locke,apenas como um fenômeno social,mas não tem como separar de quem enunciou este principio social o nome,pois seria até uma falha pedagógica , crítica e profissional no minimo.
A crítica ao espirito de partido também se volta contra mim,na medida em que ele sustenta a ideia de que as figuras históricas são datadas e condicionadas,não sendo possível julgá-las,como no caso de Marx e seu adulterino.
Contudo,este problema é complexo.Prosper Merimèe,autor de “ Carmen” ,escreveu um famoso prefácio ao seu romace histórico “Crônica do Reinado de Carlos IX”,Rei que patrocinou ,junto com a sua mãe Catarina de Médicis, a chacina da noite de são Bartolomeu.Neste prefácio ele defende uma tese antitese à comunidade universal de Kant.Merimè diz que não se pode julgar um povo ou uma época por um critério moral,porque os povos são concretos e constróem as suas regras segundo as suas necessidades imediatas.O fato de haver direitos humanos na França não obriga a Turquia a modificar os seus valores locais,que não podem ser criticados.Eu digo,por meu lado,pode e deve.
O fato de a comunidade universal ser uma construção histórica,no tempo,não esconde o fato de que o sofrimento é universal,reconhecido pelo cristianismo,que lançou a primeira pedra fundamental desta comunidade.Mesmo antes do cristianismo o sofrimento é igual em todo lugar,em toda época.
Assim sendo as circunstâncias narradas por mim no artigo sobre este passo da vida de Marx podem e deve ser julgadas e não relativizadas.Muito menos escondidas para vender uma ideia de mitologização de uma pessoa para fins politicos(certamente escusos[porque baseado numa falsidade]).
A única coisa que é mais relativa em tudo o que falei,é a questão da virgindade das filhas.Como se sabe o pensador era muito rigoroso com isto aí,mas também se pode discutir ,no seu tempo,esta liberdade,caso as filhas assim o desejassem.A filha caçula Eleanor ,inclusive,tomou conhecimento de Freud e ,de repente,teria condições de reinvidincar mais liberdade,sem preocupação com a época.
Traição transcende as épocas,como o cristianismo e muitas outras coisas.O sofrimento de Jenny,esposa de Marx ,em 1850 é o mesmo hoje.A questão moral é a mesma.
Então não há motivo para transformar um ser humano num Deus.