Tenho
recebido muitas críticas por criticar
Marx e os outros por não reconhecer o papel das idéias,quando ,dizem os
críticos,isto não é verdade.É lógico que Marx sabia que as idéias existiam.Quem
não conhece a sua famosa frase sobre o pedreiro e a aranha?
O que eu critico
,não só em Marx mas nos seus seguidores é que as idéias são para eles um
problema só de conhecimento,não de existência,de axiologia,de sentido.
Ficou
evidenciado na história do socialismo,no século XIX mesmo,que a espera da
revolução colocava um problema existencial real,se existia vida antes ou depois
dela.E a resposta é clara:sempre tem que existir vida,até para fazer a revolução.
Uma concepção
estritamente política da revolução leva
muitos a crer que a sua negação é uma aceitação do capitalismo,do antigo regime,mas
na verdade todo o processo de favorecimento da vida,no sentido mais amplo que
isto tem,ataca os fundamentos da exploração e prepara uma nova época.
Contudo esta
nova época depende de muitos outros fatores a que eu tenho me referido nos
textos.Não é apenas isto.
Quando Marx,por
exemplo,opõe à ideologia(consciência falsa)a ciência ele afirma que toda idéia
que não corresponde à realidade não tem valor ou sentido,mas, embora isto seja
verdadeiro para a natureza não o é para a sociedade.
Marx possuía “
incrustações positivistas” como dizia Gramsci.Mesmo na natureza aquilo que não
se pode observar não quer dizer que não exista,como é o caso do átomo.
Mas também de
Deus:se não é possível prová-lo ,como fato,como objetividade,ele encarna ,seja
porque meio for,imaginação,discurso,sentimento,algo eventualmente necessário(e
legítimo) na experiência humana finita temporal e fisica.
Ao inverter o
processo de conhecimento,Feuerbach,seguindo Xenófanes, afirmou que Deus era “
só” uma projeção do homem no céu.
Marx parece
continuar com este pensamento ao dizer “ a religião é o ópio do povo”(que frei Beto
diz que não é dele,mas de Kan)t,mas a frase prossegue com os dizeres conhecidos:” é o
respiro da criatura oprimida,o coração de um mundo sem coração”.
Esta predicação
aponta para uma legitimação da crença,pois Deus seria uma forma de compensação
a um mundo injusto e opressivo.Ainda aqui não se vê a possibilidade de um
discurso verdadeiro e Marx nunca apontou
para isto(sempre considerou a desalienação como obrigatória),mas nós podemos e
devemos,pelas razões que eu aduzo agora.
A consciência falsa nem sempre significa um desvio moral ou ético,como aquele
declarado pelo materialismo histórico ortodoxo:o homem cria Deus para evadir-se das soluções que ele é capaz de
encontrar se se esforçar,conforme a ciência ensina,ou seja,o esforço de conhecer
pertence a todos que lutarem para obtê-lo.
Tal é um dos pilares
do cientificismo:a ciência vence sempre a superstição,não havendo mais
mistérios.O moralismo cientificista se escuda nesta concepção.O cientificismo
não atina,porém,que a condição do conhecimento é não conhecer,o mistério,e que
isto põe o ser humano diante de um desamparo,que a ciência não pode suprir.
Além do mais não
existe nexo causal objetivo entre a crença e a evasão das responsabilidades
terrenas,isto dependendo da concepção que cada um tenha da sua relação com o
mundo e o seu além.Se o homem constrói este além,o faz de um modo,não o faz de
um modo único,ainda que possa pretendê-lo e neste modo,nesta perspectiva, está
a responsabilidade terrena.
Na história do
cristianismo há tanto a espera passiva do além,como a responsabilidade com este
mundo como condição de entrada no paraíso,não sendo outra senão a tarefa que a
narrativa de Cristo na cruz propõe.
O compromisso
com Cristo na cruz é uma condição do prêmio da eternidade.E é dentro deste
contexto que a figura de Deus aparece como um resumo desta narrativa,que se
transforma em signo e símbolo de algum objetivo humano pertinente.
A esperança de
um além túmulo se faz na mediação humana da compaixão e do compromisso em
acompanhar valores e levar as pessoas a um juízo final.
O que o
cientificismo, e o marxismo dentre eles,não percebeu, foi esta realidade
trans-histórica:a busca da escatologia é mediada,dentro de uma escolha,por uma
relação com o seu próximo,coisa que ,deixada de lado a crença no paraíso,vale
para o ateu de bem,para o cientista de boa índole.
Deus é uma
narrativa,como qualquer outra que propõe um signo e um símbolo,que mesmo o
não-crente,tem que considerar nas suas relações positivas e sociais.A
extirpação desta crença como condição de progresso é o erro do marxismo(mas não
só dele),que fundamenta os crimes posteriores,no mínimo,na esfera psicológica.
Ao totalitarismo
da Igreja ,que diabolizou aquele que não a seguia,o marxismo opôs um
totalitarismo semelhante,afirmando a culpa do alienado,daquele que não lutava
contra a exploração.
O símbolo,cuja
significação etimológica é “ aquele que une”,é atacado pelo “diabolo”,o que
separa.Àquele que racionalmente(mas seguindo a fé[o coração]{Santo Agostinho])segue
a igreja é atrapalhado pelo hedonismo deste último que exige o prazer como
modelo e como finalidade.Assim a Igreja criou a justificação da vocação imposta.
O marxismo,ao
não compreender as idéias,o discurso legitimo que deriva do sujeito,a imaginação,como
fato subjetivo e “material”,que une as pessoas,entrou pelo mesmo
caminho,reprimindo a religião,como alienada ,bem como quaisquer ilusões que separavam o homem de sua auto-realização.
A pura crença
não é alienante,o que o é, é a superstição,mas mesmo esta sob o tacão do
fetiche que torna o homem dependente do que está fora dele.
O mecanismo da
superstição,bem como a consciência falsa,foi legitimada por Freud na
psicanálise,na medida em que,diante de um mundo complexo,o homem ainda precisa
de “concepções “ improvadas para dar sentido e significado a si mesmo,como
sujeito.
È impossível
,diante de uma realidade infinita(cada vez mais)que o homem seja absolutamente
racional,causal,o tempo todo,sendo isto uma perversão,ou antes um desvio,este
sim,da natureza humana.
Isto é como uma
perseguição do tempo,da fuga cósmica,algo irrealizável.Como Kant demonstrou “ a
coisa em si” a Physis,é impossível de alcançar.Talvez todas as degenerações
partam desta ilusão,inclusive aquelas próprias do marxismo.
Todas estas
ilusões,todo a linguagem,a axiologia,tudo emana do sujeito,que constrói a sua
existência,real,para além da “ necessária”, materialista.Diferentemente do símbolo
que é Deus,que comunica através dos homens a exigência da relação,o que é a materialidade?Quando
se diz “ matéria” estamos nos referindo a algo abstrato,physis,que se manifesta
não de uma forma só,mas de várias.
Aqueles que
puderem assistir ,assistam ao filme “ Lawrence da Arábia”,assistam.Lá no
inicio,quando Lawrence ,como enviado inglês ,encontra o príncipe Faissal,ele
procura ser demagógico com este último tecendo loas às virtudes dos
beduínos,que amam o deserto,o céu estrelado ,ao que Faissal retruca:”no deserto
não tem nada e ninguém ama o nada”.
Da mesma maneira
que não adiantou Santo Agostinho separar a figura do pecado do pecador,pois
estes foram sistematicamente perseguidos e queimados,a convivência cristãos e
comunistas sempre foi difícil,porque o fantasma da alienação punha este últimos
como potenciais algozes(e algozes de fato)dos cristãos.
Ainda que o PCI houvesse amainado isto,persiste hoje a
desconfiança em vez da fraternidade.