quarta-feira, 23 de dezembro de 2015

Em torno a Guevara V



Todo mundo  fala  sobre  o  internacionalismo  de  Marx  mas  poucos  têm  conhecimento  dos  textos,dando-se  ao  trabalho de pesquisar  e verificar  que  não  existe,nele,"comunismo  nacional".
Na citação  abaixo tirada  de  " A  Ideologia Alemã":
“(...)Premissas  para  a revolução  comunista:
(...)1)comunismo não pode  existir  como um fenômeno local;2)as  forças  de inter-relacionamento não  poderiam ser desenvolvidas  como universais,conseqüentemente    ficando     como  poderes  insuportáveis:elas se  manteriam como condições  de  sobrevivência  cercadas pela  superstição;3)cada extensão  das relações  inter-sociais aboliria  o  comunismo local”.”
Estas afirmações de Marx,feitas na “ Ideologia Alemã”,não foram nunca negadas por  ele,na  sua  condição de “ velho Marx”.E há um velho Marx ?
Fica  claro  que  Marx  tinha  esta  visão  e  não    razão para  se  dizer  que  ele  tenha  abandonado  esta  concepção  óbvia  de  que    é  possível  mudar  o mundo  do  trabalho universalmente  e  não  nacionalmente.
O problema,o  complicador é  o  que  ele  disse  aos  narodniks russos  sobre  a  possibilidade  de  uma  revolução  na  Rússia,uma  país em que  as condições objetivas e  subjetivas do socialismo  não estavam dadas(por  um capitalismo atrasado).Na  década  de  80  do século XX  se  dizia  que  Marx  pressupunha  condições  objetivas e  subjetivas  para  a revolução  e  isto  é  verdade,mas havia uma  dúvida  quanto  se  poderia  algum país passar por  cima das  etapas  do  capitalismo(evitando  seus  problemas).É  forçoso  dizer  que  pelos  textos  abaixo  ele  admitia  e  ,por isso tem  um  pequena ,porém,importante  participação  nos  acontecimentos  terríveis  futuros da  Rússia.
Cit.:”este(Tchernichevski) colocou a  questão  em alguns  artigos notáveis, o problema  de  se  a Rússia,para abraçar o sistema capitalista,necessitará começar por destruir-como sustentam os economistas liberais-a comunidade rural ou se,pelo contrário,sem necessidade de  conhecer todos os tormentos deste sistema,poderá recolher todos os seus frutos no caminho de  desenvolvimento de suas próprias peculiaridades históricas.E ele opta pela segunda posição(...).Para poder julgar com conhecimento próprio as bases de  desenvolvimento da Rússia ,aprendi o russo e  estudei durante muitos anos memórias oficiais e outras publicações referentes  a esta matéria.E cheguei ao resultado seguinte:se  a Rússia  segue marchando neste caminho que vem percorrendo desde 1861,desperdiçará a mais formosa ocasião que a história  lhe ofereceu para se esquivar de  todas as fatais vicissitudes do regime capitalista”.(escritos  sobre Russia II,p.63,1877).
Na  verdade  foi um texto famoso de Herzen que  enfatizou o papel  possível de  desenvolvimento do socialismo naquele país,a  comuna rural,mas este debate  ,como demonstra o texto acima se deu em relação a  dois importantes narodniks:Tchernichevski e Vera Zassúlitch.
Existe um  ruído,diríamos hoje,entre Marx e os populistas,porque estes pensam que Marx não os apóia ,mas Marx demonstra concordar com eles.
Nós vemos  que  dentro  das  limitações da Rússia  a  que  vimos  nos  referindo,bastava,para ele,desenvolver as  relações  econômicas  para,mudando-se no  sentido  do  comunismo,libertar o  mundo  do  trabalho.Assim  Lênin  fundamentou a  revolução  russa  nesta base , acreditando  que  criar  um  estado  forte capaz  de fazer  estas  mudanças abriria  o caminho.Pelas  razões  a  que  temos  aludido  o  que  se  formou  na  Rússia  foi  um  estado  totalitário,um estado  inchado,pior do que o do czarismo.Porquê  ?Porque  as referidas bases  não estavam presentes.
O curioso é que  há uma discrepância  evidente entre Engels(e Plekhanov)e  estas afirmações  de Marx.Marx se recusa  a produzi uma filosofia da história,um etapismo,mas os dois citados acima  dizem outra coisa.
Como vemos abaixo existe em Engels um texto  em que ele  condiciona o surgimento do socialismo ao desenvolvimento completo do capitalismo,no que é considerado o fundamento do etapismo no marxismo.Engels disse  uma vez  que este etapismo é incontrastável e inarredável,chegando mesmo a dizer que só existiria o socialismo porque existiu uma vez  o escravismo antigo.
Engels pôs  este texto no Volksttaat,para se defender de ataques de um certo Tkachov,quanto às posições do amigo de Marx  sobre a realidade russa.
Cit;”A revolução ,que aspira o socialismo moderno consiste,brevemente falando,na  vitória  do proletariado sobre a burguesia(...)Por ele se precisa ademais da existência  do proletariado(...)da burguesia(..)Entre os selvagens e  os semiselvagens também costuma haver diferenças de classes e por este estado passaram todos os povos ,(..)Porém os Sr. Tkachov quer dizer que esta revolução será socialista,que implantará na Rússia,antes de que nós no Ocidente o consigamos(...)e ele em uma sociedade em que o proletariado e a burguesia só aparecem,no momento,esporadicamente e  se encontram em um baixo nível de desenvolvimento!E se nos diz que isto é possível porque os russos constituem,para dizê-lo assim,o povo escolhido do socialismo ao possuir artefatos e a propriedade comunal da terra!”(escritos sobre Russia,p 71,74,75)
Existe uma discrepância entre Marx e Engels!
Estas oscilações,se é que podemos dizer assim justificaram a revolução na Rússia.
Esta  questão é  ,a meu ver,do ponto de  vista lógico,um pouco bizantina.Do ponto de  vista real não.É lógico que é possível,depois da tomada de  consciência das condições  para implantação do comunismo,que os revolucionários podem criá-las,mas este processo não pode passar por cima das conseqüências subjetivas que o desenvolvimento objetivo do capitalismo gera.Não é questão apenas de  desenvolver estas últimas.Esta mudança impõe outras no plano subjetivo,que,no caso da Rússia,não se  formariam.
E as exigências deste desenvolvimento objetivo trariam conseqüências tão nefastas quanto aquelas atribuídas ao capitalismo,como se viu na época da coletivização forçada.Os  anarquistas acusaram,acertadamente,os soviéticos de terem feito ,em 5 anos o mesmo que o capitalismo fizera em trezentos,com as mesmas violências.
Não é só criar as bases econômicas,mas as bases culturais e subjetivas que garantiriam o comunismo como regime econômico e  social justo.
A revolução comunista seria feita por uma classe trabalhadora unida e provada na luta.Uma classe  solidária ,majoritária e num conexo em que a  propriedade individual ficaria na mão de  poucos,sendo muito mais vantajoso uma visão comunitária do que exclusivista.
Desde 1848,Marx,em  sua  concepção  rupturista  de  luta  de  classes,considerava  duas  fases  antes  do  comunismo,a  da  ditadura  do  proletariado e  a  fase  do  socialismo.Vejamos  neste  texto:
carta  a  weydemeier de  5 de março de 1852,publicada por Mering em 1907:
“No que me  diz respeito,não é  mim que cabe o mérito de ter descoberto nem a existência das classes na sociedade moderna,nem a sua luta entre si.Muito antes de mim,historiadores burgueses tinham descrito o desenvolvimento histórico desta luta das classes e economistas burgueses tinham exprimido a  anatomia  econômica dela..O que eu fiz de novo foi:1)demonstrar que a existência  das classes está ligada apenas a fases de desenvolvimento histórico da produção (historische Entwiclungsphasen der Produktion);2)que a luta de classes conduz necessariamente à ditadura do proletariado ;3)que essa ditadura constitui somente a transição para a abolição de todas as classes e para uma sociedade sem classes...”

Em outro  texto  sobre  o anarquismo,de Engels,ele e Marx  afirmaram  que  ambos  os  movimentos  queriam  o  fim  do  estado,como conseqüência e  condição  essenciais da revolução comunista:
Marx condicionava  o regime  de  liberdade  ao   fim  do  estado,o  "  comitê  de assessoramento  da  burguesia".Engels dizia ,” não existe estado livre”.
O trabalhador produtivo,esta base sócio-histórica da revolução, não se define só
como trabalhador(como ninguém se define)mas como pessoa,que consome,adquire bens que quer preservar  suas conquistas.Quanto mais as condições para a  revolução se  colocaram menos os trabalhadores quiseram fazê-la porque entrar num processo revolucionário que pode por estes ganhos a perder,mesmo em nome setores sociais ainda excluídos  é algo difícil .
As chamadas liberdades burguesas dão uma resposta a isto
e embora o regime de exploração não acabe este  patrimônio  legítimo do trabalhador,serve de barreira.Ou seja  a capacidade de  previsão deles foi nenhuma.
O comunismo ,como já expliquei em outro artigo,libera as forças produtivas da exploração e competição capitalistas.
Marx afirma desde o manifesto comunista que o capitalismo liberava o desenvolvimento das forças produtivas ao quebrar as barreiras feudais,mas as  limitava pelo afã egoístico  do lucro.
Ao superar este limite capitalista o comunismo entra numa fase transitória na qual ele deve se livrar dos resquícios  do passado  e preparar a implantação do comunismo de forma irreversível.
Esta última condição só se estabelece se for superada de forma razoavelmente  rápida a escassez que o capitalismo gera para a maioria.A escassez dos regimes de exploração é que gera  esta desigualdade  maligna social,que conspurca a desigualdade natural dos homens.O homem é desigual por natureza,mas a desigualdade social aprofunda esta desigualdade natural criando injustiças.
O meio de atacar este mal é com forças produtivas livres aumentando à estratosfera os bens essenciais à sociedade.Estas condições estão na sociedade  capitalista,mas dentro da atividade dos trabalhadores organizados.Toda a atividade política dos trabalhadores deve  desembocar  nesta liberação.
Marx manteve sempre uma  postura dispare em relação ao partido social-democratico  ,nome aliás que ele não gostava.O que o preocupava e devia (como deve)preocupar os seus seguidores são as condições previas  não para a tomada de consciência  revolucionária,mas para o depois desta tomada do poder  que é o que  demonstra o grau de preparação dos revolucionários ,bem como se as condições objetivas apropriadas.


quarta-feira, 18 de novembro de 2015

Marx era um gênio,mas não era Deus nem dois



Ainda hoje  há muita gente que põe  bottons  com a  efígie de Marx,mas realmente isto só tem validade na medida em que ele  é um ativista político,não como “  cientista” ou teórico(que é o caso).
Marx  e Engels  cunharam as  expressões “ materialismo dialético”e  “ materialismo histórico”exatamente para evitar esta personalização da ciência.Certa vez,Marx teria dito;”Moi,je  ne  suis pás marxiste”[eu,não sou marxista]”.
O movimento comunista deveria ter um fundamento científico,o qual transcenderia  às pessoas,num esforço claro de evitar  salvacionismos no marxismo,ou seja,evitar uma  confusão  com a religião,que se  queria superar.
O militante é alguém que não segue o líder providencial,mas tem o fundamento nas mãos ,bem compreendido.
Igualmente,ainda que inconscientemente(talvez)Marx  sabia o quanto era importante que a ciência  transcendesse,ou seja,que  buscasse caminhos em outros lugares  e mundos,pois assim haveria um movimento,que  se  constituiria de fato,por  causa desta transcendência,por querer dialogar com os outros  e persuadir.Isto só é possível se esta transcendência,no espírito do materialismo,que desvela os véus  místicos da realidade,não vier eivada de crenças absolutas e sempiternas,mas que instigue o permanente espírito crítico.
Lembro-me de uma frase de Carlos  Nelson Coutinho ,que morreu recentemente(farei um artigo para ele  proximamente),quando era acusado pelos  dogmáticos de “ revisionista”,segundo a qual,para ele: “ revisionistas somos todos”.
Teoria e  Ciência  são sempre  revisáveis ,ninguém é dono da verdade e emocionalismo na revolução sempre  prejudica.
Alguém  bota  na lapela  um broche do Einstein ou de Newton?Porque?Porque neste caso,das ciências naturais,fica  claro que o importante são as descobertas.As pessoas só têm nome na medida do que fazem e não há porque fundar um movimento newtoniano.
Porque as ciências sociais são culturais e subjetivas isto seria diferente?Uma pessoa,um teórico resume em si toda a lógica do seu pensamento?Mesmo depois de  morto,sem ele não há teoria?Não haveria ,subjacente, um culto(religioso[arcaico{preocupação com os antepassados}]),incrustado na ciência e  na teoria?
Lógico que as ciências sociais se prestam mais  a este tipo de desvio,principalmente aqueles  ligadas à utopia,mas mesmo assim,a  complexidade da sociedade,não impõe  uma transcendência,um anti-subjetivismo,que,no caso de Marx,foi tão criticado,nas  figuras de Bruno Bauer e Max Stirner,na Ideologia  Alemã?
Este personalismo antecipa Stalin,mas não é autorizado por Marx e Engels,mas é a  característica   histórica comum de pensamentos arrojados  quando caem no senso-comum.E stalinismo é religião,no pior sentido desta  expressão.

quarta-feira, 16 de setembro de 2015

Causas históricas da irradiação comunista



O objetivo de  qualquer movimento é arregimentar.O movimento   comunista não é  diferente  e  afirmou muitas vezes  que teve sucesso.Também Hitler,apesar de  ser o horror  que é,foi muito aclamado.Nenhuma ascensão é  programada.
Nós  vemos que 1  mês antes  de  acontecer a Revolução de Fevereiro na Rússia,que levou Lênin ao poder ,o mesmo foi derrotado fragorosamente no Congresso  de Zimerwald,nesta  sua proposta de  rebelar o país.
O raciocínio político de  Lênin  mostrou-se certo   depois  que as circunstâncias mudaram.Isto quer dizer que planejamento é muito difícil ,havendo necessidade de  a situação mudar,como já  teorizara Maquiavel.
Quem de fato consolidou a  Questão Social  no mundo,de  forma  errada ou certa,humana ou não,foi o Anarquismo,mais forte do que o marxismo até  a  Revolução Russa.Em 1917 a irradiação  se tornou mais  forte  em prol dos  comunistas,mas a verdade é  que em outros  países,como a China,Cuba e até no leste  europeu,a  implantação do comunismo dependeu da associação deste movimento com os  movimentos  autóctones  de  liberação  nacional.
No caso da China o movimento de libertação  nacional começou com a  primeira guerra do Ópio,em 1845.Quando Mao chegou à  liderança  do PCChinês já  havia uma frente patriótica  liderada por  Shian-kai-shek e  Stalin  custou a  passar para o lado de Mao antes  que ele  provasse  que era mais  forte .
Em Cuba,antes de Fidel chegar ao poder havia mais de  50 anos  de lutas organizadas na ilha e  Fidel representava o poder militar,que  passou por cima  do poder civil quando as primeiras dissensões  apareceram.
Estas observações  nos servem para compreender  como se pode  e  deve  criar as condições  para a mudança,seja  ela  revolucionária  ou reformista.
Eu me lembro que quando o PCB voltou do exílio a  coisa mais importante era ganhar democraticamente as massas brasileiras para o projeto comunista e  até se  citava  o fato de  que Hitler mudara  a sua  visão de golpe ,para a luta de  massas,o que  deveria  servir de lição para os  comunistas  brasileiros recém-chegados.
O fracasso eu já expliquei em alguns artigos  aqui,mas a causa  mais remota,porém não menos importante  foi que o Brasil,embora seja  um país  colonizado como os que  citei,teve um tipo  muito diferente de imperialismo e neo-colonialismo.
A China era um país  milenar  na época da  guerra do ópio  e  tinha elementos culturais para  criar um programa de reação às tentativas ocidentais  de  dominação.
Cuba  possuía  uma elite  criolla que  foi aquela  que  liderou todo o processo de rebeldia.Nos  filmes se vê  claramente esta verdade.
Aliás  o colonialismo espanhol,como sabemos  criou uma elite  dirigente autóctone ,que depois  foi a maior  responsável pelo processo geral de  independência.
No Brasil  ,como no colonialismo português,não foi criada  nenhuma elite,nas colônias de exploração,segundo o conceito de Caio Prado Júnior.Deste modo, sem uma elite dirigente e  com uma sociedade totalmente escravizada,não temos um background para  começar um programa realmente transformador e liberador  do Brasil.Como podemos construí-lo a  partir destas constatações?Assunto para o próximo artigo.